Prescrição médica digital é alternativa para reduzir erros no hospital
Sistemas de gestão digitalizados e integrados permitem apoiar com inteligência todas as etapas do processo e criar alertas automáticos para eventos como interação medicamentosa ou doses incorretas
Uma das principais preocupações da gestão hospitalar em relação à segurança do paciente é a incidência de erros, entre eles os de administração de medicamentos. Eles podem ocasionar desde eventos adversos leves até óbitos, portanto, exigem estratégias para evitá-los, como a implementação da gestão inteligente na farmácia clínica e da checagem beira-leito. Mas há uma forma ainda mais simples de evitar essas ocorrências, por meio da adoção da prescrição médica digital.
Os sistemas de gestão hospitalar digitalizados e integrados permitem fiscalizar cada uma das etapas envolvidas na dispensação de um medicamento, desde o momento da prescrição pelo médico, propriamente dita, até a aplicação do medicamento no paciente, criando alertas automáticos para eventuais eventos, como interação medicamentosa ou doses inadequadas.
Para Graciane Netto Cardoso Arruda, enfermeira mestre em gestão da clínica e especialista em cardiologia e cuidados intensivos, a tecnologia otimiza o trabalho enquanto elimina antigos desafios.
"As prescrições eletrônicas evitam erros de interpretação de medicamentos por conta da letra do médico, por exemplo, ou até mesmo leituras e prescrições erradas", destaca.
Além disso, o próprio sistema faz a identificação do tratamento proposto e verifica se está de acordo com os protocolos clínicos adotados pela instituição. Graciane comenta que a integração dos sistemas é fundamental para a implementação e usabilidade da prescrição eletrônica.
"Ela evita a repetição de exames e, consequentemente, um custo maior. Apesar de ser necessário um investimento inicial para a implantação e integração dos sistemas, a longo prazo há economia."
A especialista lista algumas funcionalidades dos sistemas que criam barreiras para evitar os erros:
- Se no momento da prescrição, o médico coloca uma dosagem errada no sistema, a tela mostra uma mensagem pedindo uma justificativa para a mudança. Essa barreira inicial evita erros que podem causar danos graves ao paciente;
- Na hora de dispensar o medicamento, o sistema permite alertas semelhantes. O profissional passa o código de barras pessoal, possibilitando a identificação do paciente e indica a dosagem correta;
- O paciente deve ter acesso ao nome e dose do medicamento que será administrado e pode questionar o profissional no caso de uma mudança de remédio ou mesmo de dosagem.
A aprovação, em dezembro de 2018, da PL 10107/2018, que aguarda sanção presidencial, será um facilitador da adoção da prescrição eletrônica. A nova lei possibilitará que, após a digitalização, os documentos não precisem mais ser armazenados fisicamente. Na prática, hospitais tendem a abandonar de vez os prontuários em papel e migrar para o prontuário eletrônico, o que, além de economizar papel, também contribui para ampliar a segurança dos dados do paciente.
No contexto da administração de medicamentos, toda a informação sobre tratamentos será armazenada de maneira digital e, com a integração entre os sistemas, será mais simples controlar e evitar erros de prescrição, bem como garantir que os protocolos clínicos estão sendo seguidos corretamente. O Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP) reúne, na mesma plataforma, informações clínicas, assistenciais e gerenciais de todos os atendimentos realizados. Permite inserir recursos personalizados durante a consulta ou o atendimento, fazer a prescrição médica eletrônica, visualizar exames e o histórico de atendimentos e encaminhamentos.
Prevenção
Graciane destaca que a prescrição eletrônica é fundamental para o aumento da segurança do paciente, garantindo que este receberá o tratamento adequado, segundo os protocolos mais atualizados. Mas explica que ela não deve ser vista como uma solução única. Considerar também aspectos de gestão é fundamental para prevenir a ocorrência de erros de prescrição médica.
Graciane lembra os quatro eixos da segurança do paciente:
- Estimular a prática assistencial segura: A adoção de processos e técnicas para minimizar a ocorrência de erros, que podem ou não ser graves. Isso deve ser feito por meio de tecnologia, treinamentos ou mesmo reformulação de procedimentos;
- Empoderamento do paciente no tratamento: É importante que o paciente seja agente participante do processo, sendo informado de todos os procedimentos que serão tomados, especialmente em relação a diagnóstico, prescrição médica e tratamento;
- Aprender com os erros: Antes errar não era opção. Hoje é obrigatório estudar os erros para não repeti-los. Nesse aspecto, os sistemas da Anvisa são fundamentais para ajudar nos estudos médicos.
- Integração de sistemas: É importante que todos os departamentos possam se comunicar de maneira eficiente e entender os gargalos de cada um dos processos hospitalares. Para tanto, sistemas integrados otimizam a assistência e diminuem a incidência de erros.
Na tentativa de incentivar esse comportamento preventivo no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, em 2013, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) número 36, que instituiu o Programa Nacional de Segurança do Paciente. Esse programa contempla algumas metas, entre elas a notificação de incidentes, por meio do Notivisa. Além dessa plataforma, em 2018 a Anvisa criou ainda o VigiMed, sistema eletrônico fruto de parceria da Gerência de Farmacovigilância (GFarm) da agência com o Centro de Monitoramento de Uppsala (Uppsala Monitoring Centre — UMC), órgão ligado à Organização Mundial da Saúde (OMS).
Essas iniciativas pretendem mensurar de forma mais precisa a quantidade de erros médicos relacionados à prescrição, já que, no Brasil, existem apenas estudos isolados sobre o tema. Um deles, conduzido por integrantes da Universidade Federal de Pelotas em um hospital da região Sul do Brasil, apontou para, em média, cinco erros a cada prescrição. Outra, publicada na Revista Brasileira de Farmácia, avaliou 1.754 receitas médicas e concluiu que 86,34% não correspondiam com o exigido por lei e continham pelo menos um erro de prescrição.
Diante desses números, a melhor estratégia que o hospital pode adotar é encarar o desafio e se planejar para vencê-lo, adotando uma postura proativa de prevenção que minimiza a ocorrência de erros.