Do analógico ao digital: qual é o real estágio da transformação digital da saúde no Brasil

Instituições 100% digitais representam apenas 0,1% do total de hospitais do país, mostrando que o caminho para uma completa transformação digital na saúde ainda está sendo traçado

Do analógico ao digital: qual é o real estágio da Saúde Digital no Brasil

Muito se discute sobre a saúde digital, assim como seus benefícios e desafios para proporcionar uma assistência mais segura e de qualidade para mais pacientes. Por conta disso, empresas e fornecedores de tecnologias têm disponibilizado no mercado novas soluções dedicadas a ajudar os hospitais a serem cada vez mais digitais — e não somente digitalizados. 

Com isso, a transição do analógico para o digital promete revolucionar a forma como os serviços de saúde são entregues, gerenciados e acessados. No entanto, no contexto específico do Brasil, surge a questão: qual é o verdadeiro estágio dessa transformação?

 

O contexto da saúde no Brasil

Antes de mergulharmos na análise do estado da transformação digital da saúde no Brasil, é crucial entender o panorama atual do sistema de saúde do país. O Brasil enfrenta desafios significativos, desde a falta de acesso universal a serviços de saúde de qualidade até a complexidade da gestão de um sistema que atende a uma população diversificada e geograficamente dispersa.

Atualmente, o real cenário do pleno exercício da Saúde Digital no Brasil é outro, bem diferente, como mostram os números do setor.  Dos 7.191 hospitais que existem atualmente no País, segundo a Federação Brasileira de Hospitais (FBH), somente oito são certificados pela Healthcare Information and Management Systems Society (HIMSS) como nível 7, que garante a maturidade necessária para classificar o Hospital Digital. Ou seja, menos de 0,1% do total de instituições é 100% digital.  

Se analisarmos as organizações que ainda não atingiram uma maturidade digital completa, mas já se consideram hospitais sem papel, ou paperless, esse número aumenta para aproximadamente entre 150 e 200 hospitais brasileiros. 

No entanto, cerca de 600 hospitais ainda realizam apenas uma parte dos processos de forma digital, enquanto continuam a imprimir contas médicas para o faturamento hospitalar, por exemplo. Portanto, em uma perspectiva mais ampla, aproximadamente 10% das empresas hospitalares privadas no Brasil deram os primeiros passos na jornada rumo à saúde digital.

Todos esses dados foram apresentados durante o painel “Do analógico ao digital: revolucionando os serviços de saúde”, que fez parte do programa do MEF 2022. Para Valmir Oliveira Júnior, Diretor da Unidade de Negócios Hospitalar da MV, eles mostram o quanto a Saúde Digital ainda engatinha no País, embora a transformação digital tenha começado há cerca de dez anos (no segmento de saúde, pois na área bancária, comercial e industrial a transformação digital já começou há mais de 2 décadas):

“Nós vivemos em um mundo digital, no qual diariamente fazemos transferências bancárias digitais, pedimos comida pelo app e compramos no e-commerce, mas, basta entrar em um hospital, para imediatamente voltarmos aos tempos analógicos, com muito papel circulando livremente”, contextualiza.  

 

Avanços digitais na saúde brasileira

A pandemia de Covid-19 fez o Brasil testemunhar uma série de avanços significativos na integração de tecnologia digital no setor de saúde. Uma área de destaque é a implementação e expansão da telemedicina. A ferramenta emergiu para garantir o acesso contínuo aos cuidados de saúde, ao mesmo tempo em que minimizava os riscos de transmissão do vírus. 

A flexibilização das regulamentações em torno da telemedicina abriu caminho para uma adoção mais ampla dessa prática em todo o país, beneficiando tanto os pacientes quanto os profissionais de saúde.

O uso de big data e análise preditiva também tem se mostrado cada vez mais importante na melhoria dos serviços de saúde no Brasil. Com o advento da tecnologia digital, grandes volumes de dados podem ser coletados e analisados para identificar padrões, tendências e insights que podem informar decisões clínicas e estratégicas. 

O que inclui diagnóstico precoce de doenças, otimização de tratamentos e previsão de tendências de saúde pública, possibilitando uma abordagem mais proativa e eficaz para a saúde em nível nacional.

Mas embora esses avanços sejam promissores, ainda há desafios a serem enfrentados. A infraestrutura de TI em muitas regiões do Brasil ainda é subdesenvolvida, o que pode limitar a eficácia e a abrangência das soluções digitais de saúde. 

Além disso, questões relacionadas à privacidade e segurança dos dados, bem como a falta de interoperabilidade entre sistemas de saúde, podem dificultar a integração e o compartilhamento de informações essenciais.

 

Telemedicina: uma revolução acelerada

A flexibilização das regulamentações em torno da telemedicina durante a pandemia abriu caminho para uma adoção mais ampla dessa prática em todo o Brasil. Isso incluiu a expansão dos serviços de teleconsulta, telemonitoramento e telediagnóstico, permitindo que uma variedade de especialidades médicas se tornassem acessíveis de forma remota.

A telemedicina não apenas oferece benefícios significativos para os pacientes, como também pode melhorar a eficiência e a acessibilidade dos serviços de saúde de maneira geral. Ao reduzir a necessidade de viagens físicas para consultas médicas, a telemedicina pode economizar tempo e dinheiro para os pacientes, além de reduzir a carga sobre os sistemas de saúde.

No entanto, apesar dos benefícios óbvios, a telemedicina também apresenta desafios únicos. Questões relacionadas à segurança e privacidade dos dados, regulamentações variadas entre diferentes estados e a necessidade de garantir a qualidade do atendimento remoto são apenas algumas das considerações que precisam ser abordadas para garantir o sucesso contínuo dessa modalidade no país.

 

Barreiras e desafios

Apesar dos avanços significativos, uma das principais barreiras enfrentadas pela transformação digital é a infraestrutura de Tecnologia da Informação (TI) subdesenvolvida em muitas regiões do país. Isso inclui a falta de acesso à internet de alta velocidade e a deficiência de sistemas de informação de saúde interoperáveis e integrados, o que pode dificultar a coleta, o compartilhamento e o uso eficaz de dados de saúde.

Questões relacionadas à privacidade e segurança dos dados também representam um desafio significativo na transformação digital da saúde. O armazenamento e o compartilhamento de dados sensíveis exigem medidas robustas de proteção para garantir a confidencialidade e a integridade das informações dos pacientes. A conformidade com regulamentações como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é fundamental, mas muitas organizações de saúde ainda estão se adaptando a essas exigências complexas.

Outro desafio é a falta de interoperabilidade entre sistemas de saúde, tanto dentro das instituições de saúde quanto entre diferentes provedores de saúde. A falta de padrões comuns de troca de dados pode dificultar a integração de informações de saúde de diferentes fontes, prejudicando a coordenação do cuidado, a tomada de decisões clínicas e a continuidade dos cuidados.

As disparidades socioeconômicas e geográficas também representam um desafio na transformação digital da saúde. Populações em áreas rurais e remotas podem ter acesso limitado à infraestrutura de TI e tecnologias digitais de saúde, exacerbando as desigualdades no acesso aos cuidados de saúde.

Por fim, a resistência à mudança por parte de profissionais de saúde e pacientes também pode ser uma barreira significativa. A adoção de novas tecnologias e práticas digitais muitas vezes requer treinamento e educação adequados, bem como uma mudança na cultura organizacional para promover uma mentalidade voltada para a inovação e a melhoria contínua.

Se para a saúde privada está difícil avançar nesse caminho, para o setor público a falta de aderência na saúde digital pode até custar repasses do governo federal, como explica Vandré Dall'Agnol, diretor de Unidade de Negócios da MV:

“Os gestores públicos municipais estão mais preparados com a gestão em saúde e sabem que precisam aderir ao digital para garantir o repasse de verbas. Mas, o desafio ainda é ter os equipamentos e softwares certos para tal tarefa, além da adesão dos funcionários à tecnologia.” 

 

Conclusão

O caminho a seguir na transformação digital da saúde no Brasil é multifacetado e desafiador, mas também repleto de oportunidades para melhorar o sistema de saúde de maneira significativa. Por meio de investimentos contínuos em infraestrutura de TI, capacitação de profissionais de saúde e engajamento das partes interessadas, o Brasil pode criar um ambiente propício para a inovação e a adoção generalizada de tecnologias digitais na saúde.

Sócrates Cordeiro, CEO na CeosGO e especialista em Analytics para a área de Healthcare, a Saúde Digital ainda tem o potencial de ajudar em uma melhor tomada de decisão dos gestores.

“A partir da análise e ciência de dados é possível saber onde colocar uma UPA ou uma UBS, para que esteja exatamente onde o paciente mais necessita”, exemplifica.

Nessa linha, também dá para contratar as especialidades médicas mais procuradas e alocar esses profissionais nos locais de maior busca por parte da população.

“Sem essa análise, tudo vira um chute. E ele pode ser tão errado que até piora a vida dos pacientes”, completa. 

É essencial que esse processo seja inclusivo e equitativo, abordando as necessidades específicas das populações marginalizadas e garantindo que todos os brasileiros tenham acesso aos benefícios da saúde digital. Ao priorizar a interoperabilidade, a segurança dos dados e a qualidade dos cuidados de saúde, o Brasil pode construir um sistema de saúde digitalizado, eficiente e acessível que promova o bem-estar de toda a população.

BI é um conceito bastante antigo na saúde digital, porém, ainda muito útil ao gestor em saúde, como lembra Cordeiro:

“Quando os gestores não são orientados por dados e fatos, estarão fadados ao fracasso; o que, no caso da Saúde, pode ser bastante custoso para toda a população”, finaliza.   

Com um compromisso contínuo e colaborativo de todos os envolvidos, incluindo governos, instituições de saúde, empresas de tecnologia e a sociedade civil, o Brasil está no caminho certo para alcançar uma transformação digital abrangente e sustentável no setor de saúde.



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