5 perguntas para Solange Mata Machado sobre a mentalidade por trás da Saúde Digital

De nada adianta tecnologia de ponta e processos bem desenhados se a falta de capacitação e cultura dos profissionais envolvidos ainda impede o melhor uso da ferramenta

5 perguntas para  Solange Mata Machado sobre a mentalidade por trás da Saúde Digital

Em qualquer conversa sobre Saúde Digital há uma unanimidade em torno da importância do fator cultural para a plena implementação e execução dessa nova dinâmica do cuidado. Atualmente, o mercado de Saúde tem à sua disposição ampla oferta de informações e de soluções tecnológicas para a adoção de processos digitais, mas, no campo pessoal, ainda existem comportamentos, conceitos e hábitos que se traduzem em empecilho para a digitalização das instituições. É urgente, portanto, fomentar mudanças de mentalidade em relação a um mundo que está em permanente transformação. Mas como fazer isso?

Para Solange da Mata Machado, PH.D. e pós-doutoranda em Neurociências e Inovação pela UFMG, doutora e mestre em inovação e competitividade pela FGV e atual diretora da Imaginar Solutions, a sempre tão mencionada capacitação é um fator-chave para fortalecer, continuamente, a cultura do digital e a exploração de novas tecnologias. Mas, em paralelo, também é preciso fomentar a acessibilidade da população às tecnologias e conectividade. Nesta entrevista para a MV, a especialista deu mais detalhes sobre a sua visão.

  1. Neste momento, a Saúde no Brasil é digital ou digitalizada?

Solange da Mata Machado: A Saúde no Brasil hoje não é nem digital nem digitalizada, ela permanece física na maior parte do País, como é possível observar. Embora já existam muitos avanços na Saúde Digital fora do Brasil, por aqui ela ainda encontra resistências, existentes em todos os elos que formam essa cadeia. 

”A Saúde Digital deve acontecer junto com um processo de
educação do paciente. Pois, quando ele tem acesso a um device mais
barato e começa a coletar e entender seus dados, ele vai
se tornar o protagonista da própria saúde”,

Solange da Mata Machado, neurocientista
e mestre em inovação e competitividade

 

2.Você acredita que ainda existem muitos comportamentos, conceitos e hábitos que se traduzem em empecilho para a Saúde digital?

Solange da Mata Machado:  Sim, certamente. Outra questão, ainda mais importante, é a acessibilidade. Temos que lembrar que apenas agora o 5G chega ao Brasil com a promessa de dar mais acesso à internet para conectar pessoas e dados e ajudar na digitalização, para promover uma Saúde Digital sem barreiras. Ainda assim, com uma internet mais potente, muita gente não tem equipamentos adequados para ler esses dados de Saúde, que permanecem caros e inacessíveis para a maioria. Portanto, o acesso não é nem um empecilho, é uma barreira mesmo. Além dele, cito a falta de habilidade das pessoas para lidar com o digital e a falta de coleta de dados de Saúde importantes que podem ser usados pela inteligência artificial para a sugestão de hábitos e condutas mais preventivas. 

 

3.Como, então, fomentar uma mudança de mentalidade em relação a um mundo que está em permanente transformação?

Solange da Mata Machado: Penso que o primeiro passo está na capacitação, ou seja, dar às pessoas a possibilidade de aprender a cuidar da sua saúde. Depois, é preciso também melhorar o acesso, deixando tudo mais barato, desde os devices que captam os dados até a assistência à saúde em si. Para se perpetuar, a Saúde Digital necessita que as pessoas se conscientizem sobre seu protagonismo no cuidado com a saúde e isso só será possível com mais educação. À medida que o paciente entende isso, ele fica mais consciente sobre como vai conduzir sua jornada de cuidado e tratamento.

4.Falando ainda sobre a mentalidade por trás da tecnologia, diria que ela é a mesma para todos os atores envolvidos: instituição, profissional da Saúde e paciente? Ou há algum grupo destacado na dianteira das inovações?

Solange da Mata Machado: Eu diria que as empresas voltadas para o desenvolvimento das tecnologias, como softwares, são as mais destacadas no avanço da Saúde Digital, mas elas formam um pequeno grupo. Digo isso porque muitas instituições, como governos estaduais e municipais, por exemplo, ainda são muito retrógrados e produzem uma espécie de gap que os impede de acelerar a implantação de melhorias nas condições de saúde. Falta uma mentalidade em prol do acesso à tecnologia. Lembrando que o contexto é que molda a nossa mentalidade, falta ainda o impulso do governo em trazer mais tecnologia em Saúde para mudar as instituições.

5.Mudanças de mentalidade envolvem mudanças de cultura também. Qual é a sua mensagem para aqueles que ainda não viraram a chave?

Solange da Mata Machado: Eles precisam começar a perceber a mudança e a se conscientizar sobre como as pessoas pensam. Digo isso porque é só pela metacognição que temos maior controle do que se pensa e, assim, conseguimos de fato mudar. A cognição vem da nossa evolução como seres humanos. Sabemos hoje que é muito mais fácil — e gasta menos energia — repetir um comportamento instituído e modelos do que aprender uma coisa nova. O novo consome as nossas energias, exige regras, repetição e disciplina. Mas, não fazê-lo, pode custar muito mais a todos nós.

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