Inteligência de dados como aliada no combate à Covid-19

Tecnologias como machine e deep learning são cada vez mais usadas para analisar informações de pacientes - o que, no caso da pandemia, contribuiu até para a chegada da vacina em tempo recorde

Inteligência de dados como aliada no combate à Covid-19

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Pandemias são eventos populacionais dinâmicos que requerem a atenção imediata dos 
gestores de saúde para o combate e controle efetivos. No caso da Covid-19, um dos efeitos mais imediatos foi a aceleração da Saúde Digital, que gerou uma quantidade enorme de dados pelos sistemas de Saúde público e privado do País. Agora, a partir de ferramentas de inteligência de dados que coletam, armazenam, tratam e transmitem esses dados em velocidade e grau de detalhes inéditos na história, toda a informação útil sobre a pandemia pode ser analisada para que se transforme em tomada de decisão. 

“Esses dados coletivos têm origem em dados individuais, ou seja, estão diretamente ligados aos pacientes que podem estar em diferentes estágios da doença: não infectados, infectados assintomáticos ou oligossintomáticos, sintomáticos leves, casos agravados, hospitalizados, em terapia intensiva, óbitos, recuperados, com sequelas, etc.”, enumera Renato Sabbatini, biomédico PhD com mais de 50 anos de experiência e professor da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, que complementa:

“Dessa forma, é traçada a chamada história natural da doença, cuja principal fonte são os diversos sistemas de Registro Eletrônico de Saúde [S-RES], como o PEP [Prontuário Eletrônico do Paciente], o PACS [Picture Archiving and Communication System, ou Sistema de Arquivamento e Comunicação de Imagens] e o LIS [Laboratory Information System], entre outros.” 

Quando são agregados, os dados ajudam a compor registros estatísticos fundamentais e são eles que serão analisados pelas ferramentas de inteligência de dados.

“No caso da Covid-19, os dados ajudam a conhecer mais sobre os sinais e sintomas, a incidência e a prevalência. Dessa forma é possível calcular índices e taxas que melhor descrevem as características da pandemia em diferentes locais, seja dentro de uma instituição, em uma cidade, em um estado, país, região ou no mundo. A isso denominamos saúde populacional. Os data warehouses e data lakes compilados a partir de várias fontes são a base dessa compreensão mais detalhada da pandemia”, continua Sabbatini.  

Para as análises serem mais refinadas e possam evoluir para ações mais certeiras no combate ao coronavírus, o especialista recomenda a utilização de ferramentas de machine learning.

“Um exemplo é a regressão linear múltipla, uma ferramenta estatística de análise de associação com implicações causa-efeito que pode ser considerada um aprendizado de máquina não supervisionado”, comenta o PhD.

“Há também modelos não lineares mais robustos e com maior capacidade de aprendizado e generalização de dados multivariados complexos, como as redes neurais artificiais multicamadas [deep learning], que vêm sendo aplicados com sucesso. Esses métodos fazem o que chamamos de inferência indutiva, ou seja, uma descoberta automática de relações entre variáveis. E existem três maneiras de fazer isso: com aprendizado profundo supervisionado, não supervisionado ou de reforçamento, diz Sabbatini que explica as principais diferenças:

“No aprendizado supervisionado, a rede de Deep Learning é treinada com exemplos já conhecidos do resultado (a decisão), e a cada passo do aprendizado ela se ajusta para acertar o máximo possível. No aprendizado não supervisionado, os resultados são classificados usando algoritmos de inferência indutiva, mas sem saber ao certo quais são eles. Por fim, em casos de reforçamento existe um algoritmo que reforça os resultados obtidos por tentativa e erro, tendo sempre uma meta”.

Redes de deep learning com aprendizado supervisionado existem há mais de 25 anos, como mostra o trabalho publicado por Sabbatini que usou a técnica para fazer a predição de óbitos em pacientes com miocardiopatia dilatada e atingiu taxa de acurácia de 95% versus 71% que os médicos atingem no prognóstico.

No Brasil, o maior desafio ao uso das ferramentas de deep learning com dados biomédicos é a dificuldade em coletar dados limpos e confiáveis a partir dos prontuários eletrônicos, que são a principal fonte de dados clínicos. Mas já existem bons exemplos de seu uso em sistemas de inteligência artificial (IA) no mundo, como o projeto do Oxford Vaccine Group que recorreu ao SIMON (Sequential Iterative Modeling OverNight), uma plataforma de software livre para aprendizagem de máquina voltada a dados biomédicos. O objetivo foi compreender a resposta imunológica à vacina da gripe e saber porque alguns indivíduos ficam imunes à doença enquanto outros não respondem tão bem.

A IA foi fundamental, também, para o desenvolvimento em tempo recorde da tão aguardada vacina contra a Covid-19, especialmente as baseadas em tecnologias recombinantes e de ácidos nucleicos. A inteligência de dados ajudou a analisar os dados do genoma do vírus e a identificar quais genes expressam as proteínas que podem gerar os antígenos necessários para provocar uma resposta imune eficiente.  

Com todo esse arsenal da tecnologia à disposição, a ciência encontra respostas extremamente rápidas a uma situação como a pandemia. No caso da Covid-19, menos de um ano após seu início, mais de 50 países já iniciaram a vacinação de seus habitantes, o Brasil inclusive.

“Temos que lembrar que essa velocidade é inédita e nunca aconteceu na história das doenças infecciosas. As futuras pandemias certamente utilizarão o mesmo sistema de vigilância epidemiológica, identificação do agente etiológico, desenvolvimento e teste de novas abordagens preventivas (vacinas) e terapêuticas”, finaliza Renato Sabbatini. Esse será o grande legado da inteligência de dados para a saúde populacional.  

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