Um terço dos médicos adotou teleconsulta em 2022. E este é só o começo da telessaúde
A expansão da Saúde digital no pós-pandemia exige que a nova modalidade de atendimento se profissionalize, para que seja possível levar um cuidado contínuo e de qualidade aos pacientes.
Você tem ideia do quanto a telessaúde cresceu desde o início da pandemia? Segundo a mais recente pesquisa TIC Saúde, foi bastante, especialmente quando comparamos com o uso em 2019, antes da Covid-19 surgir. Em 2022, já eram 33% dos médicos e 26% dos enfermeiros atendendo pacientes por teleconsulta em todo o País. Sem contar que mais de 60% desses profissionais usaram a ferramenta para praticar a educação a distância em saúde, conforme mostram os dados da tabela abaixo:
Houve, ainda, um expressivo aumento no monitoramento remoto por parte desses profissionais: 29% dos enfermeiros e 23% dos médicos usaram essa ferramenta para o acompanhamento de pacientes crônicos, por exemplo. Os dados mostram que ainda há amplo espaço de crescimento:
“Especialmente porque a área da Saúde tem procrastinado há mais de 20 anos o uso da tecnologia para melhorar a assistência prestada”, enfatiza Chao Lung Wen, presidente da Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde (ABTms) e chefe da Disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
E a razão principal para esse atraso está na falta de informação sobre a ferramenta em si, complementa Lung Wen:
“Os profissionais ainda não sabem o que é a telessaúde ou a telemedicina e, por isso, simplificam a prática a uma teleconsulta, que pode ser feita por uma videochamada ou até por troca de mensagens no WhatsApp. Portanto, hoje, a fraqueza principal desta prática é a falta de uma definição compreendida por todos.”
“Para mudarmos essa percepção geral sobre telessaúde, alguns pontos precisam ser mais discutidos. Primeiro, é preciso ampliar a educação para essa área de trabalho. Depois, melhorar a remuneração dos profissionais.
E, por fim, estabelecer boas práticas de atendimento.” Chao Lung Wen, presidente da Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde (ABTms).
A formação do profissional
Para que a telessaúde se consolide, a formação dos profissionais de Saúde deve mudar. É preciso que todos saibam as leis e contextos éticos que regulamentam a prática no Brasil, além de conhecer as portarias já registradas. É o caso da Lei 14.510/2022, que “regulamenta a prestação de serviços de saúde a distância por meio do uso de tecnologias da informação e da comunicação em todo o país”.
“Sem a expansão desse conhecimento estamos apenas usando a telessaúde como um ‘quebra-galho’”, provoca Lung Wen.
Por outro lado, a operadora de saúde e o SUS precisam remunerar adequadamente por esse serviço prestado para atrair mais profissionais ao modelo. O uso da tecnologia foi maior durante a pandemia porque era a única alternativa de atendimento possível.
“Mas agora que o isolamento social está terminando, ainda falta uma estrutura adequada para a continuidade da telessaúde”, sugere o especialista.
"Sem uma normatização fica difícil até mesmo o entendimento do usuário para a prática da telessaúde: alguns podem até questionar os valores cobrados se entenderem que se trata apenas de uma ‘videochamada’"
Muito mais do que uma videochamada
Por falar em normatização e regulamentação, a Lei 14.510/2022 é de suma importância para o futuro da Saúde Digital no Brasil. Especialmente porque ela altera outra lei fundamental para a Saúde, a Lei 8080/1990, que instituiu o Sistema Único de Saúde, o SUS, para que o sistema público reconhecesse a modalidade de telessaúde.
“Embora benéfica, a regulamentação não finaliza o processo de inclusão da telessaúde no sistema de Saúde. Ela apenas dá as bases ético-jurídicas para a prática em território nacional. Isso significa que, mesmo com a nova lei, ainda temos muito o que batalhar para que a modalidade seja reconhecidamente uma prática médica”, defende Lung Wen.
Para isso, é preciso ter novos propósitos, como desenvolver uma telessaúde eficiente e instituir a prática como matéria obrigatória em todas as graduações de saúde, para ser encarada como uma extensão das especialidades, como teledermatologia, telerradiologia etc.
Boas práticas em telessaúde
Aqueles que já estão usando a telessaúde, portanto, devem procurar cursos de capacitação na modalidade urgentemente, justamente para atingir a eficiência assistencial necessária.
“E quem deve oferecer esses cursos são as instituições, como os hospitais, as associações médicas ou os conselhos federais de Saúde. Devem atualizações rápidas, de 20 horas, mas que ensinem as regras e as dicas de cibersegurança sobre os dados dos pacientes”, explica o professor da FMUSP.
Idealmente, todos os que completarem as aulas receberão um certificado, para depois realizarem requalificações periódicas, como um media training digital em saúde, que orientasse sobre vestuário, linguagem, postura e iluminação, entre outras questões que são necessárias a um bom atendimento. Simultaneamente, é preciso também incentivar a inclusão da disciplina nas graduações de medicina.
“Nos próximos dois anos, o Brasil formará cerca de 37 mil novos médicos por ano. E a quantidade de cursos com a matéria de telemedicina obrigatória não forma mais do que 500 pessoas. É uma quantidade enorme de profissionais que vai improvisar o atendimento via telessaúde porque não aprenderam nada sobre o tema. Isso certamente vai gerar um problema ético futuro”, alerta Wen.
A mudança necessária para alterar esse cenário é, sem dúvidas, cultural. Profissionais de saúde e pacientes precisarão entender que a modalidade permite um cuidado mais aproximado e, por vezes, até mesmo em tempo real.
“A tendência do futuro é o cuidado de saúde contínuo e dentro de casa, o chamado telehomecare. Até 2023, com o aumento do número de idosos no Brasil, a maioria dos atendimentos deve ser feita dessa forma. Só precisamos nos preparar melhor para isso desde já”, finaliza o médico.