Sistemas de gestão da Saúde Pública: o desafio da interoperabilidade
Integração possibilita estruturar e gerar valor para os dados, permitindo transformá-los em informações que ajudam o gestor a traçar estratégias para proporcionar mais segurança ao cidadão e melhorar o serviço
O Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC), desenvolvido pelo Ministério da Saúde, só se tornou obrigatório nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) no início de 2017. Trata-se do primeiro passo para que sistemas de gestão da Saúde Pública façam parte da realidade brasileira. Mesmo assim, mais de 27 mil unidades, ou 64% do total, ainda não informatizaram seus serviços de saúde.
Para que os dados gerados por esses softwares façam diferença na qualidade do atendimento ao paciente, não basta informatizar as unidades — deve haver também interoperabilidade entre sistemas. Renato Sabbatini, especialista no tema e vice-presidente do Instituto HL7 Brasil, explica o conceito:
“Como não existe um prontuário eletrônico único no Brasil, a solução é fazer a integração por meio da interoperabilidade, que é a compatibilidade determinada por padrões aceitos em todos os locais onde o cidadão é atendido. Dessa forma, as informações sobre um determinado indivíduo podem ser transferidas de um lugar para outro ou acessadas de forma independente.”
O especialista destaca que a interoperabilidade amplia a segurança do cidadão ao permitir, por exemplo, que informações como a existência de alergia a medicamentos sejam acessadas em qualquer instituição onde o indivíduo for atendido, mesmo que ele esteja impossibilitado de informar esses dados.
“O conceito também reduz a repetição de exames de forma desnecessária, diminuindo os riscos inerentes a esses procedimentos, já que todos os resultados ficam disponíveis no sistema, independentemente de onde eles forem realizados. Menos exames também representam menos custos para a Saúde Pública”, comenta o especialista.
A interoperabilidade, portanto, vai além de garantir a segurança do cidadão. Com os dados gerados por esses sistemas integrados, a administração dos recursos é racionalizada. Além disso, essas informações permitem criar e implantar políticas públicas visando a melhoria do atendimento, redução de filas e monitoramento de grupos de risco.
Os dados também servem para criar políticas de medicina preventiva, desde que trabalhados por tecnologias como analytics e big data, que traçam cenários e preveem demandas de atendimento. Essa prática, inclusive, é vista como tendência para a Saúde Pública do futuro, já que auxilia na redução de gastos ao prevenir complicações que podem gerar internações ou outros procedimentos de custo elevado.
Desafios
Para que os sistemas de gestão da Saúde Pública possam, de fato, ser integrados por meio da interoperabilidade, Sabbatini destaca que devem ser incorporados protocolos e padrões automatizadamente.
“Os softwares devem se comunicar por meio de uma série de padrões funcionais e também semânticos, que são as nomenclaturas, as classificações. O uso do CID10 [Código Internacional de Doenças] pode ajudar nessa padronização. O HL7 [Health Level Seven International] também, já que se trata de um conjunto de normas internacionais que permite o intercâmbio de dados de saúde por meio de mensagens”, exemplifica.
Segundo o especialista, porém, antes de pensar na interoperabilidade, é preciso vencer a resistência à mudança, fazer investimentos e estar disposto a compartilhar as informações.
“Do ponto de vista do uso de tecnologias, a Saúde Pública está atrasada. Por isso, as unidades devem ser informatizadas ao mesmo tempo em que deverão ser criadas leis que obriguem a adoção de padrões, implantando assim sistemas que já são interoperáveis”, sugere Sabbatini.
A meta é que, no futuro, o médico que recebe um cidadão de Porto Alegre, por exemplo, em uma Unidade de Pronto-Atendimento de Manaus possa ter em mãos todo o histórico desse indivíduo, reunindo informações valiosas de apoio ao diagnóstico — que podem, inclusive, ajudar a salvar vidas.