Saúde Digital: 3 tendências e um desafio
Aplicações de inteligência artificial vão ganhar cada vez mais destaque no setor, mas é preciso trabalho de longo prazo para alcançar a orientação por dados de forma assertiva e confiável
Em meio a discussões como alta do custo assistencial, mudanças no modelo de remuneração e estratégias para criar desfechos de valor, a Saúde Digital avança. A estimativa é que até 2025, as organizações se concentrem no próximo nível da transformação digital na Saúde, incluindo inteligência artificial e implementação avançada de análise de dados - ao menos de acordo com um relatório divulgado pela IDC FutureScape no fim de 2019.
O estudo aponta que 30% das decisões clínicas e de negócios serão informadas por inteligência artificial. Destaca, ainda, que a colaboração homem-máquina e as interfaces orientadas por IA vão mudar o futuro do trabalho em um de cada três hospitais até 2023. O gasto mundial em IA para funções de diagnóstico e tratamento está crescendo a uma taxa anual de 24% e deve atingir 4,9 bilhões em 2023, segundo o relatório.
A inteligência artificial é mesmo a principal aposta da Saúde Digital nos próximos anos, garante Ubirajara Maia, diretor corporativo de sistemas da MV. Ele cita três tendências de uso da tecnologia que devem ganhar ainda mais destaque:
1. Suporte à decisão em medicina diagnóstica
As possibilidades do uso da IA como apoio na tomada de decisão em radiologia são inúmeras. Atualmente é possível fazer a comparação da imagem com bases de conhecimento, que trazem mais assertividade ao diagnóstico, em um modelo onde a ferramenta incorpora aprendizados a cada laudo emitido, acumulando repertório clínico à sua base de dados.
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Para Ubirajara, o grande destaque fica por conta do apoio às prioridades na worklist do médico radiologista. A IA funciona como um assistente virtual de análise, fazendo a triagem dos casos mais urgentes por meio da comparação entre imagens normais e alteradas. A análise ocorre a partir de algoritmos de reconhecimento de padrões e analogia em bases de conhecimentos. Com a tecnologia, médicos recebem informações sobre achados mesmo em locais remotos, agilizando o diagnóstico e o início do tratamento em caso de anomalias.
“Esse apoio é fundamental para organizar as rotinas, trazer mais assertividade ao laudo e mais segurança ao paciente”, destaca o especialista da MV.
2. Reconhecimento de voz
A principal aplicação do reconhecimento de voz se dá hoje na medicina diagnóstica, facilitando a elaboração dos laudos e otimizando o trabalho do médico radiologista. A ferramenta funciona através de um microfone acoplado ao equipamento, que transcreve a fala, automaticamente, no software. Possibilita ainda o reconhecimento de palavras específicas da área, além de viabilizar a realização de treinamento para se adequar melhor a qualquer tipo de voz.
Com o avanço da Saúde Digital, a expectativa, conforme Ubirajara, é que a ferramenta alcance, também, os demais sistemas. O resultado é uma rotina otimizada para todos os profissionais da assistência, que terão acesso a exames, realizarão o preenchimento automático de dados, elaboração e comparação de diagnósticos, entre outros, tudo por comandos de voz.
3. Desenvolvimento da linguagem natural
Associada ao reconhecimento de voz e com soluções avançadas de machine learning, a tecnologia de linguagem neural permite que o médico interaja com o Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP) de forma otimizada, por comandos de voz, mesmo em uma linguagem mais coloquial.
Essa ferramenta, segundo Maia, funciona através de servidores de terminologia dotados de inteligência artificial. Eles conseguem reconhecer a Classificação Internacional de Doenças (CID) mesmo quando dita de forma menos técnica e, assim, efetuam o preenchimento automático no sistema, eliminando uma tarefa burocrática do médico e resolvendo uma das principais dores da Saúde Digital: o engajamento no uso da tecnologia em Saúde por parte dos profissionais.
Na visão do especialista da MV, essas tecnologias promovem um ganho de tempo crucial para tornar mais humana a assistência, já que livram os profissionais de Saúde de tarefas burocráticas que podem ser automatizadas.
“Elas garantem, também, mais segurança ao paciente ao evitar, por exemplo, erros de preenchimento ou mesmo dar alertas de interação medicamentosa conforme os dados do prontuário do paciente”, exemplifica.
Orientação por dados: o desafio
O estudo da IDC também aponta que as organizações da era da Saúde Digital já percebem a importância de serem orientadas por dados, especialmente tendo os dados certos no momento certo: 20% dos negócios em Saúde e 30% daqueles voltados às ciências da vida terão alcançado a excelência dos dados, através de análises avançadas de dados e núcleos inteligentes que suportam a colaboração homem-máquina até 2020, conforme a pesquisa. Maia lembra, porém, que se trata de um estudo global — e, no Brasil, trabalhar com dados ainda é um desafio.
“A grande dificuldade das organizações é que os dados são desestruturados. Por mais que haja mineração com ferramentas de inteligência de negócios e até mesmo IA, as conclusões ainda não são tão científicas quanto é necessário para um setor que lidam com vidas.”
Em uma comparação com um experimento científico, Maia afirma que os dados ainda não apontam para conclusões mais concretas e deixam lacunas de respostas cruciais para a tomada de decisão. Nesse cenário entraria um profissional que, em meio a transformação digital na Saúde, deve ter uma formação multidisciplinar, combinando conhecimentos e habilidades que vem do cientista de dados e, também, do Chief Medical Information Officer (CMIO).
“É uma visão de longo prazo que vai exigir uma transformação profunda no setor”, avalia o especialista da MV.