Prontuário do Paciente Único : o que falta para as instituições alcançarem esse modelo
Saiba quais são os desafios enfrentados pelas instituições em relação ao prontuário do paciente único.
O prontuário do paciente é uma ferramenta essencial para garantir a continuidade e a qualidade do cuidado médico, já que mantém um registro detalhado e sistemático das informações sobre a saúde de um indivíduo ao longo do tempo, além de fornecer uma gama de dados abrangentes que pode ser compartilhada entre diferentes profissionais de saúde e instituições para garantir uma assistência integrada e coordenada.
Mesmo com esse nível de importância, um dos avanços na área, o prontuário do paciente único, ainda é uma pauta bastante debatida pelo setor de saúde e também estimulada pela LGPD.
Mesmo com discussões constantes acerca dessa temática, existem ainda uma série de desafios no país para alcançá-lo, como por exemplo a baixa interoperabilidade entre os sistemas, que seria fundamental para o compartilhamento de dados entre diferentes instituições de saúde.
Fernando Arruda, coordenador do curso de medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), explica que a perspectiva do prontuário único é mais abrangente que a do prontuário eletrônico, que já possui um projeto de lei aprovado no Senado Federal para seu compartilhamento entre instituições, sejam esferas públicas ou privadas (Lei nº3814/2020).
“No prontuário único é possível reunir o histórico completo do paciente, advindo de todas as organizações pelas quais ele já passou, incluindo exames, consultas médicas e também atividades relacionadas ao cuidado e autocuidado. Esse modelo tem uma amplitude maior, já que permite o acesso de diferentes profissionais e mesmo do próprio indivíduo aos seus dados. Por exemplo, o paciente faz tratamento com um nutricionista e os dados imputados pelo especialista podem ser acessados também pelo educador físico que assiste a essa pessoa.”
O especialista acredita que o caminho a se trilhar para a unificação do prontuário ainda é longo. Ele cita os principais desafios, conforme a realidade do setor de saúde brasileiro:
Interoperabilidade (Integração)
As diferentes instituições pelas quais um indivíduo passa durante a vida, além de tecnologias como aplicativos e sensores vestíveis, coletam uma grande quantidade de dados que deveriam ser imputados no prontuário único.
Mas, no país, iniciativas de interoperabilidade ainda se restringem muito às paredes de determinada organização ou a operadoras com rede própria, por exemplo.
Arruda explica que ter esse prontuário no hospital e integrado é muito diferente de levá-lo a qualquer ambiente onde o indivíduo passe ao longo da sua trajetória de cuidado.
“Entra aqui (na discussão) desde o lugar em que ele realiza atividades físicas até o consultório do médico, incluindo medicamentos comprados na farmácia, exames realizados em laboratórios, etc. São dados oriundos dos mais diversos pontos e que precisam conversar entre si, o que é um desafio sem a criação de padrões”, destaca.
Usabilidade
O software do prontuário único do paciente precisa ser funcional tanto para a gestão da operadora quanto para a gestão hospitalar e o próprio paciente, já que todos terão acesso aos dados.
As interfaces gráficas e a usabilidade dos sistemas precisam evoluir e pensar na experiência do usuário, já que os profissionais de saúde querem tratar os seus pacientes, não aprender a utilizar sistemas complexos e pouco amigáveis. Os designers da experiência, das interfaces gráficas e dos equipamentos terão um papel muito importante nesta evolução, na opinião do especialista.
Segurança da informação
Outro desafio é que, claramente, o número de pessoas que terão acesso a esse prontuário é maior, trazendo a preocupação em relação à segurança das informações, reforçada pela LGPD.
A implementação dessas práticas precisa contribuir também para a criação de um ambiente seguro, protegendo a confidencialidade, integridade e disponibilidade das informações de saúde. Os dados do paciente precisam ser sigilosos em relação a elementos éticos, elementos pessoais e até íntimos que podem surgir no prontuário.
Dificuldades na relação operadora-prestador
A cultura do compartilhamento de informações ainda é escassa no setor de saúde brasileiro, mas fundamental para a existência de um único prontuário do paciente. Na Estônia, por exemplo, existe um sistema integrador que armazena 99% das informações geradas em consultórios e hospitais.
Apenas algumas informações são disponibilizadas apenas para especialistas — como os exames ginecológicos. Essa interoperabilidade, de acordo com o governo da Estônia, significa uma economia de bilhões de euros.
Iniciativas semelhantes no Brasil também dependem de melhorias na relação entre as operadoras e os agentes prestadores dos serviços de saúde.
Estratégia
Além de as operadoras e prestadores estarem muito bem alinhados, será necessário criar uma estratégia própria de implementação para uma boa estruturação de serviços, incluindo revisão de processos, de sistemas, criação de cultura e engajamento dos colaboradores para reportar possíveis erros e inconsistências.
Baixa horizontalidade e longitudinalidade do cuidado
No primeiro, temos uma assistência prestada integradamente entre todos os especialistas e organizações que atendem um determinado indivíduo.
O segundo diz respeito ao acompanhamento contínuo do paciente ao longo da vida, acumulando um histórico que inclui dados médicos, mas também números e elementos relacionados à prevenção, atividade física e alimentação. “
Ambos os conceitos devem permear a assistência para reunir dados em um prontuário único”, segundo Arruda.
No Brasil, porém, o modelo é mais comum no Sistema Único de Saúde (SUS), embora com ressalvas, que na Saúde Suplementar.
Arruda comenta que, vencidos esses desafios, a existência de um prontuário único muda a relação entre os agentes da saúde. Ele permite redimensionar o poder de atendimento da rede ao reunir, na mesma plataforma, todos os documentos emitidos eletronicamente e relacionados ao mesmo paciente, ainda que tenham sido gerados por departamentos e/ou instituições diversas.
O mesmo também ampliaria a produtividade das equipes com a eliminação do tempo gasto por funcionários na procura por fichas, reduziria a ocorrência de erros médicos por ilegibilidade e diminuiria custos de forma geral.
Em conclusão, a longo prazo, a existência de um prontuário do paciente unificado ainda fortalece o campo da saúde no país, pois possibilita a criação de políticas que incentivem o autocuidado, propondo novos modelos de negócio para as organizações e ampliando a qualidade de vida da população.