Por que a qualidade da mão de obra nunca foi tão importante para a gestão da Saúde?

Pilar fundamental para sustentar as bases da Saúde, os profissionais precisam ser cada vez mais preparados e estimulados a atuarem com uma visão centrada na experiência dos pacientes

Por que a qualidade da mão de obra nunca foi tão importante para a gestão da Saúde?

A Saúde é, sem dúvidas, um dos setores mais dinâmicos e essenciais para uma sociedade, afinal, lida de forma permanente com a vida das pessoas. A grandiosidade dessas características, a propósito, é proporcional ao desafio que esse mercado enfrenta, todos os dias, de equilibrar as constantes evoluções — sobretudo no campo da tecnologia — com o fator humano, ou seja, com a formação e a constante capacitação dos seus profissionais, que constituem o principal pilar para que essa imensa “engrenagem” funcione a contento.  

Nesse ininterrupto fluxo, a gestão da mão de obra é um princípio fundamental, especialmente em relação à missão de conciliar questões vitais para a Saúde, como a qualidade na formação acadêmica, a oferta de profissionais no mercado e a real demanda por eles. Nesta lista, soma-se uma pauta bastante atual na Saúde, que é o desejo pela construção de um modelo assistencial que contemple, cada vez mais, a experiência do paciente.   

Já não é novidade que os atendimentos têm a visão centrada no usuário do sistema de saúde. Mas para que se alcance a universalização deste método, é preciso pensar em uma visão sistêmica para os diferentes níveis da Saúde, conforme defende a coordenadora do Curso de Especialização em Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde da Fundação Getúlio Vargas, Laura Schiesari. 

A especialista defende a necessidade de maior ênfase sobre esse conceito na etapa da formação profissional.

“Afinal, o usuário do sistema mudou e os profissionais não necessariamente têm todas as competências para essa nova complexidade. Ao mesmo tempo, dependemos de um sistema de saúde bem estruturado”, destaca Schiesari.

Nesta entrevista, ela deu mais detalhes sobre sua visão a respeito do atual cenário sobre a formação dos profissionais da Saúde, bem como do que compreende o conceito de experiência do usuário.  

A oferta de novos profissionais da Saúde está em equilíbrio com as necessidades de demanda e de qualidade do mercado?  

Não temos problema de oferta de mão de obra. Nas últimas décadas, inclusive, tivemos um aumento grande na quantidade de escolas de saúde. Começamos a formar profissionais em um número mais adequado. Porém, o País ainda não conseguiu vencer a má distribuição desses profissionais pelos estados. Especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste temos alguns vazios. E nas áreas distantes, mesmo nos estados mais ricos, também, pois não há incentivo para fixar as pessoas nesses lugares, então, a rotatividade é muito grande. Outro ponto de alerta é que a formação de nível superior, em geral, não cresceu em qualidade, o que tem impactado o exercício prático de muitos profissionais. Sempre tivemos profissionais com falhas na formação, mas com a quantidade maior de escolas, isso se acentuou.  

Com relação ao ingresso dos jovens profissionais no mercado da Saúde, qual é o ponto mais sensível que precisa estar no radar das instituições?  

Percebo que o apelo da missão tem perdido força e que as novas gerações buscam coisas diferentes. Não querem, necessariamente, ter o mesmo estilo de vida das gerações anteriores. Em outros países, por exemplo, eles tiveram que mexer na carga horária da categoria. Então, temos uma quantidade maior de profissionais formados, mas mal distribuídos e um contingente que não necessariamente continuará trabalhando na Saúde. A gente viu isso, nitidamente, no hemisfério norte, com muitos profissionais deixando a profissão e indo fazer outras coisas. E no Brasil também percebo muita gente repensando seus caminhos.  

Você avalia que o princípio de foco no paciente é bem trabalhado na etapa da formação profissional? 

Carecemos de questões mais explícitas sobre esse conceito na formação dos graduandos nos diferentes cursos na Saúde e, de modo geral, isso não mudou muito nos últimos anos. Desde meados do século passado, com mais ênfase na década de 1980, se começou a falar no cuidado centrado no paciente. Mas, isso ainda não foi devidamente incorporado nas práticas de cuidado. Claro que a visão de qualidade na assistência sempre está presente e isso impacta na experiência do usuário. O fato é que nas últimas décadas houve a necessidade de ajustar os bastidores e bases da saúde, como estrutura, processos e desfechos clínicos. Hoje, estamos num estágio de olhar com mais intensidade para a segurança do usuário, que é uma questão mais técnica e que traz a noção de prevenir diversos tipos de danos. Em 2014, as diretrizes curriculares de praticamente todos os cursos voltados às 14 profissões da Saúde foram modificadas e, de alguma forma, passaram a incorporar a preocupação com a segurança com o paciente. Mas agora, mais do que nunca, precisamos incorporar uma visão mais acentuada na experiência.  

O que exatamente compreende o conceito de experiência do paciente?  

A ideia de focar no paciente vai além de focar na doença. Sem querer, a gente organizou o sistema e os serviços de Saúde com a perspectiva do profissional, então, nem sempre a gente capta o que o usuário deseja ou necessita. Assim, ter ênfase no usuário compreende a organização de toda a jornada dele no sistema, tendo a perspectiva da população, mas sem perder de vista o indivíduo que está por trás desses números. Isso as escolas de saúde, de modo geral, ainda não ensinam. Por isso, acaba-se agindo tardiamente, quando o profissional já está no mercado de trabalho.  

Uma assistência centrada no paciente significa valorizar as preferências dele e da sua família, provendo informações para que ele participe das decisões de forma ativa, sendo agente do seu próprio cuidado, se assim for da vontade dele. Outro ponto é, além de cuidar da parte biológica, cuidar do ser humano em sua integralidade, pensando em suas necessidades pessoais, mentais, emocionais e espirituais. Outro pilar compreende o cuidado integrado do paciente, porque o cuidado ainda é muito fragmentado. A gente trabalha muito com a visão isolada das especialidades e, com isso, a gente acaba não olhando a integração desse cuidado. Esses são pilares básicos fundamentais para que o paciente tenha uma boa experiência.  

Temos exemplos bem-sucedidos sobre a aplicação prática deste conceito na Saúde brasileira?   

Quando a gente fala de experiência do paciente, vale lembrar que no SUS tem a Política Nacional de Humanização, desde 2003, que estimula a comunicação entre gestores, trabalhadores e usuários para construir processos coletivos. A concepção do SUS, desde a sua origem, prevê a participação social. Os cidadãos, têm voz nos conselhos de saúde e nas conferências de saúde, tanto nas esferas municipal, estadual e federal. Isso é dar voz aos usuários. De forma mais recente, alguns hospitais particulares também passaram a ter conselhos de pacientes. Há instituições renomadas, inclusive, que passaram a ter usuários presentes em comissões e discussões. De alguma forma a gente está aprendendo na prática e isso precisa ser mais explicitamente inserido na formação profissional.  

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