Os níveis de atenção estão se comunicando? Interoperabilidade com Jacson Barros
Interoperabilidade na saúde: desafios e soluções para integrar sistemas e priorizar o paciente. Descubra como promover um cuidado eficiente e conectado.
A interoperabilidade na saúde tem sido um tema central e essencial, abordado com profundidade na entrevista com Jacson Barros, que traz a perspectiva prática e os desafios para o setor de saúde no Brasil.
O termo "interoperabilidade" se refere à capacidade dos sistemas e organizações em compartilhar e integrar dados sem fricções, promovendo uma comunicação eficiente entre diferentes níveis de atenção – como a atenção primária, secundária e especializada.
Jacson Barros, ex-diretor do Datasus e atual executivo na AWS, reflete sobre as barreiras, vantagens e caminhos para a adoção da interoperabilidade, além de levantar questões fundamentais para o futuro da gestão em saúde.
O valor da interoperabilidade: para onde vamos?
De acordo com Jacson Barros, a interoperabilidade só faz sentido se aplicada com um propósito claro. Integrar sistemas e fazer com que “conversem” é um meio para um fim, e não uma finalidade em si.
Assim, o valor da interoperabilidade está na capacidade de promover um atendimento mais assertivo e centrado no paciente, algo que beneficia tanto profissionais de saúde quanto pacientes.
No entanto, Barros destaca que a interoperabilidade, sozinha, não é capaz de resolver todos os desafios da saúde. A fragmentação dos sistemas, a ausência de padronização e a falta de confiança entre instituições ainda são obstáculos importantes.
A interoperabilidade, segundo Barros, só faz sentido quando há uma intenção clara de compartilhar dados essenciais no momento certo e com as pessoas certas.
Esse “compartilhamento necessário” vai além da integração pura e simples dos sistemas; trata-se de compartilhar dados de saúde de maneira focada, assegurando que informações cruciais para o atendimento estejam acessíveis onde e quando for necessário.
Compartilhamento de dados: o paciente no centro do cuidado
Para Jacson Barros, o foco da interoperabilidade deve estar no paciente. Ou seja, as informações precisam ser acessíveis não apenas aos profissionais de saúde, mas também ao próprio paciente, que deve ter controle sobre seus dados.
No entanto, na prática, ainda há muitos obstáculos. Exemplo disso é a perda de acesso ao histórico de saúde quando um paciente perde seu plano de saúde e depende do Sistema Único de Saúde (SUS).
Isso reflete uma abordagem que ainda prioriza o modelo de negócio dos hospitais e das operadoras de saúde em detrimento do paciente, comprometendo a centralidade do atendimento e o acesso contínuo ao histórico médico.
Essa desconexão entre os sistemas e a falta de uma visão centrada no paciente geram consequências diretas na eficiência do atendimento. Barros menciona que, no contexto atual, o paciente é frequentemente um "carregador" de dados, levando consigo seus próprios remédios e exames ao ir de um nível de atenção a outro.
Essa situação evidencia a necessidade urgente de integração real entre os diferentes sistemas e níveis de atenção para que o cuidado com o paciente seja contínuo e efetivo.
A importância da padronização e da simplicidade no compartilhamento
Um dos principais desafios para a interoperabilidade é a padronização. Jacson Barros ressalta que o Brasil dispõe de profissionais altamente qualificados e da tecnologia necessária para avançar, mas falta consenso sobre quais dados compartilhar e como padronizá-los.
Na opinião de Barros, um dos principais erros das instituições é tentar “começar pelo mais complexo”. Ele propõe uma abordagem escalonada, focando inicialmente no básico, como registrar o local de atendimento do paciente e o desfecho dessa passagem, em vez de tentar compartilhar todo o prontuário de uma vez.
Esse método permite que os dados mais relevantes e menos complexos sejam priorizados, facilitando o processo de integração e aumentando a viabilidade do projeto.
A escalabilidade do compartilhamento de dados, com base em informações primárias e de fácil registro, seria um ponto de partida para tornar a interoperabilidade factível e menos onerosa, ao mesmo tempo em que promove resultados efetivos para o paciente.
Tecnologia e cultura organizacional: equilíbrio necessário
Outro ponto levantado por Barros é o papel fundamental das pessoas na execução da interoperabilidade. Ele destaca que, dentro das organizações de saúde, existem diferentes gerações de colaboradores, com distintas familiaridades e confortos com a tecnologia.
Enquanto gerações mais novas tendem a adotar rapidamente novas ferramentas digitais, gerações mais antigas podem demonstrar resistência.
A integração de sistemas, portanto, também exige um alinhamento cultural, onde a comunicação, o compartilhamento de informações e a confiança entre colaboradores e setores internos precisam ser cultivados e priorizados.
A resistência humana, muitas vezes ligada ao medo de perder controle sobre dados e processos, pode ser um fator impeditivo para a interoperabilidade. Para superar isso, Barros acredita que é essencial um esforço coletivo para “acreditar” no compartilhamento de dados, promovendo uma cultura de transparência e responsabilidade.
Gestão e prioridades: colocando a interoperabilidade na agenda
Barros argumenta que a interoperabilidade precisa ser encarada como uma prioridade estratégica e de gestão. Em muitas instituições, os gestores ainda enxergam a interoperabilidade como algo secundário, o que dificulta a sua implementação em larga escala.
No entanto, em um cenário em que a eficiência e a redução de custos são essenciais, investir na interoperabilidade pode trazer benefícios significativos, como a diminuição do tempo de atendimento e uma melhor coordenação entre diferentes serviços de saúde.
A priorização da interoperabilidade deve, portanto, ser uma decisão consciente e alinhada aos objetivos estratégicos dos hospitais e das operadoras de saúde.
Na visão de Jacson Barros, a transformação digital é uma responsabilidade compartilhada, que envolve não apenas os gestores de tecnologia, mas também todos os níveis de liderança das organizações.
Ele enfatiza que a interoperabilidade só será plenamente realizada quando a tecnologia for vista como uma parceira estratégica e quando todos os envolvidos tiverem uma visão clara e compartilhada sobre a importância do compartilhamento de dados para a saúde e bem-estar do paciente.
Papel do CTO e a interoperabilidade como fator estratégico
O papel do Chief Technology Officer (CTO) ou diretor de tecnologia, em especial na área da saúde, é crucial para impulsionar a interoperabilidade.
Barros defende que esse profissional precisa ter não apenas uma visão técnica, mas também um profundo entendimento do negócio de saúde, o que significa que o CTO deve atuar como uma ponte entre as necessidades tecnológicas e os objetivos de negócio da instituição, garantindo que a tecnologia esteja a serviço das metas estratégicas.
A interoperabilidade exige uma liderança técnica comprometida e capacitada para lidar com a complexidade dos dados e sistemas. No entanto, Barros argumenta que, além da habilidade técnica, é fundamental que o CTO trabalhe com uma visão clara de governança e segurança de dados, especialmente considerando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
O alinhamento entre tecnologia e governança é indispensável para que a interoperabilidade possa avançar de forma segura e confiável.
LGPD e Segurança: base fundamental para o compartilhamento de dados
A implementação da interoperabilidade traz também desafios relacionados à segurança e à privacidade de dados, especialmente na saúde, onde a proteção dos dados do paciente é primordial.
A LGPD estabelece responsabilidades claras para todos os atores envolvidos na gestão de informações sensíveis, mas, segundo Barros, a regulamentação não deve ser vista como um obstáculo.
Ele defende que a LGPD serve como uma ferramenta de organização e proteção, permitindo que cada ator do sistema de saúde saiba quais são suas responsabilidades e esteja preparado para eventuais incidentes de segurança.
A segurança dos dados não deve ser apenas um requisito legal, mas uma condição fundamental para que a interoperabilidade seja implementada com sucesso. Barros enfatiza que o verdadeiro desafio não está em evitar completamente os riscos, mas sim em estar preparado para lidar com eles quando ocorrerem.
A resiliência e a capacidade de resposta diante de eventos adversos são, para ele, as principais competências que os sistemas de saúde devem desenvolver para garantir a continuidade do atendimento e a confiança dos pacientes.
A jornada para uma saúde interconectada
A interoperabilidade no setor de saúde é uma jornada que exige não apenas investimentos em tecnologia, mas também uma mudança de mentalidade e cultura.
Assista ao programa completo abaixo:
Jacson Barros sugere que é preciso avançar de forma gradual, priorizando o compartilhamento de dados básicos e desenvolvendo uma cultura organizacional que valorize a transparência e a centralidade do paciente.
Ao adotar uma visão estratégica, os gestores de saúde poderão criar um sistema mais eficiente e colaborativo, onde todos os níveis de atenção se comuniquem e trabalhem em prol de um atendimento integrado.
Ao final, Jacson Barros deixa claro que a interoperabilidade é, sim, viável, mas depende de um esforço conjunto para que sistemas, profissionais e dados estejam alinhados.
Somente com uma abordagem coordenada será possível construir um sistema de saúde verdadeiramente interconectado, que coloque o paciente no centro e ofereça um atendimento eficiente, seguro e de qualidade.
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