Os caminhos para otimizar a relação entre operadoras de Saúde e prestadores
Construção de uma agenda positiva, mudança no modelo de remuneração e integração de informações são fatores essenciais para a construção de uma nova relação, apontam especialistas
A discussão sobre o conflito de interesses no setor de Saúde não é nova. De um lado, hospitais e demais prestadores são remunerados por procedimentos; do outro, operadoras de Saúde buscam a redução do uso da rede credenciada como forma de diminuir o custo operacional e elevar os lucros. Diante desse impasse, especialistas apontam que a gestão integrada e participativa, bem como a criação de uma estratégia conjunta entre operadora e prestador, é essencial para a evolução da relação.
A Saúde Suplementar cobre quase 23% da população brasileira. São 47,2 milhões de beneficiários atendidos por 1.241 operadoras de saúde, segundo dados de junho de 2018 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Como órgão responsável, a ANS determina uma série de regras para otimizar essa relação. São iniciativas como a criação do padrão Troca de Informação de Saúde Suplementar (TISS) e do Programa de Qualificação dos Prestadores de Serviços de Saúde (Qualiss), além de uma série de regulamentações que trazem mais clareza aos contratos firmados entre as partes, como a obrigatoriedade de contratos por escrito e detalhados, com as obrigações e responsabilidades específicas de cada um. Mas é preciso ir além.
“Tínhamos que estabelecer uma grande agenda estratégica para discutir temas de interesse conjunto. Não temos, por exemplo, uma meta nacional de cobertura de planos de Saúde. Se existisse essa meta, poderíamos, juntos, criar um caminho para chegar nos objetivos”, comentou Alceu Alves, vice-presidente da MV, durante a Semana da MV, evento virtual realizado entre 18 e 20 de julho.
Segundo o executivo, esse intercâmbio ocorre de maneira formal há tempos e é crucial que essas discussões se intensifiquem no Brasil, já que o próprio mercado está demandando uma transformação no modelo de negócio. O coordenador adjunto do curso de medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), Fernando Teles de Arruda, explica que, com a mudança dos modelos de gestão, a remuneração precisa ser alterada para garantir a sustentabilidade do sistema no futuro.
“Hoje o modelo mais comum é o fee for service, no qual se cobra por serviço e a qualidade não é levada em consideração. Temos que evoluir para um modelo quali-quantitativo, que considera valor, medido pela performance. É a única forma de evoluir de um sistema focado na doença para um que trabalhe com a saúde, a medicina preventiva”, complementa. Segundo Arruda, um atendimento de qualidade no hospital corrobora também para a melhora da imagem da operadora, então há uma corresponsabilidade pela qualidade do serviço prestado.
O professor ressalta a importância da atuação conjunta de operadoras e prestadoras também no que diz respeito aos sistemas de gestão, já que essa integração permite às organizações cruzar os dados sobre os indivíduos atendidos. Desse modo, fica mais confiável fazer um planejamento personalizado e montar um plano de cuidados que permita o atendimento customizado e preventivo dos beneficiários.
Informação e integração
A integração entre sistemas é um dos caminhos para melhorar o diálogo, mas não resolve os desafios de maneira isolada.
“A falta de diálogo dificulta essa relação. Alguns hospitais deixam de dar o treinamento adequado para os funcionários lidarem com algumas questões com a operadora. Então o beneficiário acha que o plano demora para liberar um exame, por exemplo”, pontuou Reinaldo Scheibe, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), durante a Semana da MV.
Arruda explica que os sistemas ajudam a tornar a relação entre operadoras e prestadores mais transparentes, mas é preciso alinhar também a gestão e as pessoas.
“A tecnologia traz processos de auditorias mais justos, com menos chances de glosas ou de cancelamentos. Esses processos integrados promovem segurança e qualidade da informação. A transmissão dos dados é ágil, facilitando a remuneração por parte dos hospitais. Mas tudo isso só acontece com equipes treinadas e gestores dispostos”, destaca o especialista.
Segundo ele, nos próximos anos os processos tendem a ficar cada vez mais integrados e a relação deve se fortalecer com a tecnologia como base. A profissionalização e eficiência da gestão vão criar processos mais maduros e qualificados.
“O desafio é que, atualmente, trabalhamos com uma queda de número de beneficiários, uma inserção cada vez maior de tecnologia, o aumento da demanda, as pessoas querem usar cada vez mais. A grande questão é trabalhar esse equilíbrio para que todas as partes saiam satisfeitas na relação”, garante Arruda.
Portanto, as tecnologias podem sim atuar como auxiliares desse processo de integração entre operadoras de Saúde e prestadores, contudo, uma mudança de mentalidade é essencial para que o foco de todo o sistema seja, de fato, o paciente.