Atenção primária: por que ela interessa, também, à gestão hospitalar

Estratégia compõe a base da existência do SUS e, quando bem executada também na rede privada, entrega qualidade e resolutividade à assistência aliadas à redução de custos

Atenção primária: por que ela interessa, também, à gestão hospitalar

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A atenção primária é considerada o primeiro nível de atenção em Saúde, sendo responsável por promover a prevenção de agravos e garantir a manutenção da qualidade de vida de forma integral e universal. Embora no Brasil seja mais conhecido como a base do Sistema Único de Saúde (SUS), o modelo pode ser aplicado, também, na rede privada, com resultados positivos inclusive na gestão hospitalar, tais como redução de custos e garantia de mais qualidade para os serviços.

Um modelo de saúde com a atenção primária como porta de entrada para o sistema opera com um grande filtro, capaz de selecionar e encaminhar ao hospital apenas os casos que realmente precisam de atenção especializada. Dessa forma, permite que a administração hospitalar foque seus recursos em demandas específicas de média ou alta complexidade, entregando assistência de excelência para o paciente. Isso ocorre porque de 80% a 90% das necessidades de saúde de um indivíduo encontram solução na APS, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

"O sucesso do SUS depende da atenção primária. Sem ela, não há viabilidade econômica, inclusive", afirma o médico sanitarista Gastão Wagner, professor titular do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade de Campinas (Unicamp).

Para se ter uma ideia dessa eficiência promovida pela APS, Wagner faz o comparativo: os Estados Unidos, que não possuem esse tipo de abordagem, gastam cerca de 2,5 vezes mais com atendimento per capita do que a Inglaterra. 

É por isso que o modelo começou, mais recentemente, a chamar atenção também da gestão hospitalar no Brasil. Martha Oliveira, diretora-executiva da Designing Saúde com passagens pela Qualirede, Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) e Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), destaca, porém, que a APS continua dando seus primeiros passos na rede privada por aqui.

"Há iniciativas de colocar o modelo como porta de entrada para o usuário dos serviços, mas falta articulação com o restante dos níveis de assistência, o que impede a completa gestão do cuidado." 

Martha destaca dois principais resultados para a gestão hospitalar da implementação de um modelo de APS:

 

Gestão do cuidado otimizada

A atenção primária proporciona uma gestão do cuidado bastante focada no que o indivíduo necessita — trazendo vantagens com relação ao atendimento e segurança.

"O paciente vai ter o cuidado coordenado, orientado, vai fazer o que precisa ser feito no momento certo", aponta.

 

Equilíbrio de custos e mais eficiência

A atenção primária permite organizar melhor as demandas e focar naquilo que é mais estratégico, reduzindo filas, equilibrando custos e permitindo a criação de estratégias com foco em prevenção, como detalhado pela especialista.

 

Desafios

Martha aponta dois fatores que são os principais desafios enfrentados hoje para a implementação da APS na gestão de hospitais privados. O primeiro tem a ver com a integração dos dados.

"De alguma forma, todo mundo precisa ter acesso à mesma informação, o que significa que o sistema de gestão hospitalar deve se comunicar com o da operadora de Saúde e das demais organizações pelas quais o paciente transita", aponta.

O segundo é a falta de fluxo único, relata a especialista.

"A emergência, por exemplo, continua sendo uma porta de entrada importante, o que desarticula o sistema", aponta.

Isso ocorre porque na emergência se misturam casos graves, que realmente necessitam do acesso hospitalar, a casos simples, que poderiam optar pela atenção primária, mas não o fazem, muitas vezes, por falta de orientação ou conhecimento do modelo. Como consequência, ambos os fatores impactam no engajamento do paciente.

"Se você não consegue convencer as pessoas e engajá-las a procurar a atenção primária, elas acabam mantendo a mesma rotina de chegar pela emergência, ou de buscar direto uma consulta com um especialista quando o problema já se instalou.”

Nesse sentido, é papel também da atenção primária conscientizar o indivíduo para o autocuidado, por meio de estratégias de prevenção e manutenção da qualidade de vida. Assim, evitam-se complexidades e agravos que o levem ao atendimento hospitalar.

Martha acredita na necessidade de implementar, de fato, uma cultura em prol da APS tanto nos profissionais de saúde quanto nos usuários dos serviços.

“A mensagem do quanto a atenção primária é boa para o usuário do serviço, de que não é apenas questão de reduzir custo, mas sim de otimizar resultado em saúde, precisa ser bem passada e entendida por todos os envolvidos na assistência, incluindo aí o próprio indivíduo."

Para vencer as barreiras, Martha afirma que a gestão hospitalar deve identificar as melhores estratégias e adaptá-las à realidade da organização e da rede da qual ela faz parte.

"Depende muito qual é o perfil do consumidor que está ali, como orientou a venda do plano [de Saúde Suplementar], como o produto em si está estabelecido. Quando a pessoa comprou ela entendeu que aquilo é um produto coordenado? Então, cada um terá de usar uma estratégia um pouco diferente.”

Martha garante não haver fórmula pronta, mas, quando bem implementada, a atenção primária tende a se tornar uma das principais estratégias para entregar mais qualidade de vida à população assistida — seja ela no setor público ou privado.

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