5 perguntas para Sérgio Cafalli sobre a consolidação do mercado de Saúde

As grandes redes, formadas a partir de fusões e aquisições, têm agora a chance de mudar a mentalidade de todo o sistema e focar no valor à Saúde. Será que elas estão preparadas para isso?

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O recente processo de consolidação promovido pelas grandes redes de Saúde tem tudo para impactar positivamente a qualidade da assistência oferecida ao paciente. Só que tal ganho vai também demandar da gestão em Saúde uma mudança de ótica na mensuração de seus resultados, voltada bem mais ao desfecho clínico e à jornada do paciente e com menos ênfase à mera prestação de serviços, como tem sido feito até então.  

Para Sérgio Cafalli, especialista em Saúde e investidor anjo, com passagens pela diretoria executiva da Dasa Empresas e da Amil One, essa virada de chave é muito positiva também aos negócios, já que o modelo atual tem prejudicado cada vez mais a eficiência operacional: “Com a consolidação do mercado de Saúde todos nós temos uma oportunidade enorme de melhorar a navegação dos clientes pelo sistema privado, coordenando o cuidado, aumentando sua satisfação e, ainda assim, reduzindo custos.” 

Nesta entrevista exclusiva, Cafalli revela caminhos possíveis para essa mudança de mentalidade que todo o setor pode enfrentar nos próximos anos e mostra como ela afetará diretamente a gestão em Saúde. Acompanhe agora os melhores momentos desse bate-papo.  

1.O setor da Saúde vem batendo recordes em fusões e aquisições nos últimos anos, com mais de 80 transações em 2019, 60 em 2020 e 32 fusões e aquisições em 2021. Como imagina esse movimento de consolidação nos próximos anos? 

Sérgio Cafalli: Imagino que ainda permaneça bastante acelerado, já que os grandes grupos seguem fortes e capitalizados para investir, comprar e crescer. Observo ainda  um forte crescimento em operações verticalizadas, que geram sinergias mais imediatas ao negócio, como, por exemplo, a aquisição de um centro oncológico por um grupo hospitalar, que já consegue entregar resultados apenas um mês após a incorporação. Há também um aumento da capilaridade geográfica nesse movimento de expansão, realizado por empresas que precisam partir para novos segmentos e novas localizações, especialmente no interior do país, para continuar a crescer. Por fim, vale lembrar que o mercado nacional de Saúde tem a característica de ser bastante fragmentado, com muitas empresas de donos diferentes espalhados por diversos Estados e cidades, e, em casos de processos sucessórios, a opção pela venda a grandes grupos tem aparecido como a escolha principal dos herdeiros.  

2.Qual é o impacto desse movimento no mercado atual?  

Sérgio Cafalli: Entendo como positivo, afinal, é sempre muito bem-vinda uma consolidação que busca aumentar a capilaridade nacional do setor de Saúde para ofertar um serviço de qualidade. As fusões e aquisições trazem oportunidades de eficiência operacional imediata: imagine só poder juntar a áreas de compras de um hospital de pequeno porte a de um grande player de mercado?! E a verdade é que a fragmentação dos serviços que temos hoje não contribui para essa eficiência tão necessária ao sustento do mercado de Saúde privada. Para que tenham uma ideia de como essa conta é complexa, é preciso saber que, há anos, temos uma inflação médica bem mais alta do que aquelas praticadas em outros países , que também vivem desafios similares aos nossos, de envelhecimento da população, de medicamentos mais caros e de alto custo para a adoção de novas tecnologias. Daí fica a pergunta: o que estamos fazendo de errado? Para mim, uma resposta possível é justamente o enorme desperdício de recursos causado por essa fragmentação do sistema que a consolidação do mercado pode agora evitar.  

Saúde é mais do que operadoras, hospitais e laboratórios diagnósticos. Um sistema eficiente é formado por inúmeros serviços que trabalham juntos para reduzir o desperdício no atendimento e trazer mais valor à  jornada do paciente. Só assim será viável a entrada de mais brasileiros  nos planos de Saúde”, Sérgio Cafalli, especialista em Saúde 

 3.Quais são os principais desperdícios que acontecem quando o sistema está fragmentado?

Sérgio Cafalli: Hoje, por exemplo, a gente ainda convive com a repetição desnecessária de exames pela falta de informação no momento do atendimento ao cliente. Para combater este e outros tipos de desperdícios, é preciso ter processos mais eficientes focados na redução de custos. Só assim será possível viabilizar planos de saúde mais baratos para permitir a entrada de novos beneficiários ao sistema privado. Como comparação, em 2014, 25% dos brasileiros tinham um plano de Saúde. Hoje, são 23% da população.  

4.Além de fusões e aquisições, há espaço para parcerias nessa consolidação da Saúde? 

Sérgio Cafalli: Certamente. Eu acredito que parcerias estratégicas podem ser uma boa solução, principalmente se considerar a sinergia e a interoperabilidade que essas empresas podem ter em conjunto para entregar valor ao cliente. O que nós precisamos é replicar as melhores práticas com foco no resultado do cliente e não mais no resultado do serviço médico oferecido. Até porque a história vem demonstrando que a cobrança em cima de serviços assistenciais não está trazendo bons resultados, vide a redução na carteira de beneficiários da saúde privada que comentei antes. Portanto a Gestão em Saúde por evento está sendo posta em xeque e abre-se uma nova janela para falarmos em desfecho clínico e o cuidado da jornada do paciente e não mais em cobrança unitária de cada um dos eventos que ele fez.  

5.Qual é hoje o maior gargalo nesse processo?

Sérgio Cafalli: Muita gente diz ou pensa que é a tecnologia e a falta de maturidade digital para reunir as informações necessárias ao cuidado, mas eu discordo. Para mim, o maior gargalo está na construção de uma proposta de valor viável para o cliente, envolvendo os vários serviços médicos e que acomode os interesses financeiros de todos os players. No mercado que vivemos hoje, o mesmo custo do desperdício que prejudica o resultado de um dos elos da cadeia pode ser o mesmo evento que traz bom resultado para outro ator - essa é a nossa realidade. Por isso, algumas das medicinas verticalizadas resolveram a questão da interoperabilidade, definindo que é a operadora de Saúde que trará resultado financeiro e, portanto, a transformaram na unidade de negócios do grupo, fazendo com que todos os outros serviços médicos sejam tratados como custo, cuja missão é ajudar a operadora a ter um resultado global maior. Já no mercado das operadoras de Saúde abertas, que financiam os grandes grupos assistenciais, essa equação é mais complicada, porque envolve a divisão desses resultados por serviços médicos.  

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