Debaixo do tapete do Hospital Digital
Enquanto a área assistencial evolui para promover uma experiência digital completa ao paciente, o backoffice ainda permanece analógico. É preciso mudar esse cenário rumo à maturidade digital
O mercado de saúde já ouviu à exaustão sobre a importância da digitalização dos processos e das documentações nos hospitais. Os benefícios foram alardeados tanto no que se refere à experiência do paciente quanto sobre os impactos nos resultados financeiros. Mas, ainda assim, debaixo do tapete da digitalização da assistência, o papel e a refação de processos reinam absolutos no backoffice das instituições.
Quem está presente nos hospitais — até mesmo no Hospital Digital — sabe que a jornada digital do paciente não chega ao departamento administrativo. Receitas digitais se tornam contas médicas físicas, que muitas vezes são redigitadas nos sistemas sob todo o risco do erro humano. O resultado? O prazo médio de pagamentos de contas é de 76 dias, segundo dados da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp). Além disso, estima-se que 90% das glosas são por erros de lançamento das despesas.
Razões para o papel perdurar
Existem alguns motivos para que a digitalização completa não tenha chegado ao backoffice hospitalar de maneira contundente. Muitos deles foram discutidos durante o Meeting “Debaixo do tapete do hospital digital: por que o backoffice ainda é tão analógico?” realizado em parceria entre Informa Markets e MV, que reuniu gestores da Saúde de diversas instituições nacionais em um encontro privado acontecido em abril.
Entre eles, a exigência de algumas operadoras de saúde em receber as contas médicas em papel, que acabam se acumulando nas áreas de faturamento hospitalar e fazem com que os profissionais que ali trabalham precisem (literalmente!) correr atrás de assinaturas pela instituição para conseguir liberar essas contas para as auditorias hospitalares necessárias.
Outro ponto levantado pelos especialistas acontece frequentemente quando uma nova tecnologia é instalada: a resistência de alguns prestadores de serviços e de profissionais da saúde em preencher todas as informações do paciente nos sistemas de gestão. Para contornar esse desafio, além de ser preciso investir na capacitação desses profissionais, é preciso discutir a corresponsabilização pela falta da conta médica gerada da maneira correta, o que hoje não existe.
Mudar processos é a chave
Tal falta de conexão entre fato gerador do evento, que normalmente acontece na área assistencial, e a área pagadora no backoffice impacta diretamente na qualidade do fluxo da conta médica gerada. Normalmente, os maiores problemas acontecem no centro cirúrgico e com eventos eletivos, que não seguem processos estabelecidos pela área financeira do Hospital Digital. Diante deste cenário, o desfecho é um só: com a falta de sequência no processo, o resultado — sendo a conta médica — estará comprometido.
As estratégias para digitalizar processos não têm a melhor hora de começar, afinal, a operação hospitalar não pode parar para que eles sejam realinhados. Portanto, iniciar as melhores práticas rumo a digitalização completa é urgente e depende de inovação. Mas, uma inovação que vai além da tecnologia em si e envolve as pessoas e suas rotinas, para que elas entendam que precisam mudar rumo à construção de um hospital verdadeiramente digital.
O digital transforma
A tão alardeada transformação digital no hospital requer uma trinca bem estruturada trabalhando junto: processo, tecnologia e cultura organizacional. A tecnologia, aliás, é o ponto de apoio dessa equação, que só funciona a partir de uma boa governança digital que estabelece e fiscaliza processos bem estruturados. Com ela, dá para automatizar etapas que desafogam o operacional do backoffice para que se dediquem a tarefas mais estratégicas na operação, e o uso de RPA tem sido um sucesso nesse sentido.
Mas, se os investimentos necessários são, muitas vezes, um impeditivo, a área financeira, por sua vez, tem a facilidade de poder comprovar rapidamente os retornos de investimentos, já que administra todo o ciclo da receita da instituição. Portanto, cabe às pessoas que ali trabalham provar à alta gestão que não dá mais para varrer os desafios para debaixo desse tapete chamado backoffice. Sobre o risco de perder uma trilha digital que já está bem construída.