5 perguntas para Caio Soares sobre a telessaúde do presente e do futuro
Com grande potencial de expansão no País, amparada pelo gradativo avanço da conectividade, a telemedicina ganhará importância nos próximos anos, demandando das instituições de Saúde maior atenção com o seu exercício
O mercado de Saúde Digital abrange um amplo escopo de tecnologias que variam de sistemas de gestão, aplicativos, dispositivos vestíveis conectados e, também, de soluções para a telemedicina. O uso massivo da internet e de smartphones, aliado à tendência de mudança para estilos de vida mais saudáveis e aumento do bem-estar, provocaram um crescimento significativo nesse segmento. A pandemia da covid-19 também deu sua contribuição, tornando os cuidados e o automonitoramento das condições de saúde mais acessíveis ao público.
A telessaúde, regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em abril deste ano (Resolução nº 2.314/2022), tem provocado impactos em toda a sociedade e beneficiado pacientes, médicos e o sistema público e privado de Saúde. Seu exercício, de forma segura e amparada por melhores práticas, consiste em uma eficiente ferramenta de ampliação de acesso da autonomia dos pacientes para decidirem como cuidar da sua saúde.
“Podemos dizer que houve um avanço de 20 anos em dois, quando se fala de incorporação tecnológica, especialmente na Saúde, onde sua adoção é mais lenta”, observa o presidente da Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital (Saúde Digital Brasil), Caio Soares. Ele relata que, neste ano, apesar de o avanço do setor não ter sido tão expressivo como em 2020 e 2021, houve a estabilização da utilização de teleconsultas como atividade cotidiana e em caráter complementar aos serviços tradicionais.
“Com isso, os níveis de serviços prestados pelas empresas ficarão mais robustos e complexos, garantindo o contínuo crescimento do mercado. Além disso, trata-se de um segmento que está tracionando, com muitas oportunidades de crescimento”, analisa Soares, que nesta entrevista compartilhou suas visões de como expandir esse mercado de forma estruturada e segura.
Qual é o atual cenário do exercício da telessaúde no Brasil? A entidade possui dados que ajudem a ilustrar esse mercado e a adesão dos brasileiros a esse modelo de atendimento médico?
Dados levantados pela Saúde Digital Brasil entre os nossos associados, que respondem por cerca de 80% do mercado privado de telemedicina, em janeiro deste ano, mostraram um crescimento de 113% do segmento em 2021, na comparação com o ano anterior. Foram mais de 10,2 milhões de atendimentos realizados via telemedicina. A expectativa é de que mais de 30 milhões de atendimentos ocorram até o final deste ano. A média mensal de contatos entre profissionais da saúde e pacientes usando a tecnologia também apresentou um salto considerável. Em 2020, ela era de 400 mil consultas por mês, em 2021 essa média já havia dobrado e, em janeiro de 2022, ela foi mais de três vezes superior ao volume realizado no início da pandemia, alcançando a marca de 1,4 milhão de atendimentos por mês.
Também podemos usar como base os dados do Painel TIC Covid-19, pesquisa on-line realizada com usuários de internet no Brasil, que mostrou que as consultas médicas por telemedicina foram realizadas em maior quantidade na rede pública (69%), pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e 53% na rede privada. Em relação à classe social, a maioria dos usuários das classes AB (74%) utilizou esse serviço na rede privada, enquanto boa parte daqueles das classes C (80%) e D/E (85%) acessou esse serviço pelo SUS. A pesquisa é promovida pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) e pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). O Painel TIC também reforçou que a internet e os meios digitais têm sido cada vez mais utilizados quando o assunto é saúde. Dos usuários entrevistados, 77% buscaram informações relacionadas à saúde ou a serviços de saúde na rede. A coleta de dados desta quarta edição da pesquisa foi realizada entre os dias 15 e 30 de julho de 2021. Ao todo, foram obtidas 5.552 entrevistas.
Quais as atuais barreiras que tendem a limitar a expansão da telemedicina, tanto do lado das instituições, como dos pacientes?
Por aqui, o esforço é entender as necessidades da população e identificar como quebrar as barreiras que existem. Além das barreiras tecnológicas, temos que lembrar dos processos e da usabilidade, para que a telemedicina possa estabelecer-se ainda mais no país. Os processos precisam ser mais democráticos, menos burocratizados e mais seguros, especialmente quando se fala da interação entre os ambientes físico e digital. É preciso implementar um processo seguro que garanta a autonomia de pacientes e prestadores, a privacidade de dados e as boas práticas da telemedicina.
O que a entidade, em termos de boas práticas, recomenda às instituições de Saúde no sentido de garantir qualidade e segurança aos atendimentos remotos? Quais diretrizes devem ser seguidas?
Há muitas iniciativas e profissionais praticando a telemedicina e a telessaúde. Disto decorre a importância de se definir requisitos mínimos — legais e técnicos — para aprimorar o sistema e potencializar a qualidade do acesso. Lançamos recentemente o Manual de Boas Práticas de Telemedicina e Telessaúde. Dividido em quatro capítulos, ajuda a responder a esse desafio. Dentre os tópicos abordados estão como manter o elevado nível de qualidade e segurança nos cuidados em saúde realizados com o uso de tecnologias de comunicação à distância; as melhores práticas de segurança da informação; prescrição eletrônica e registro de dispensação digital; e interoperabilidade. Essas diretrizes são cruciais para que a telemedicina cumpra com qualidade e segurança o seu papel de garantir o acesso da população à assistência médica, onde quer que ela esteja.
Ao adotar a telemedicina, quais os primeiros passos básicos que hospitais e clínicas devem ter e quais as principais falhas que acontecem nesse processo?
É importante os profissionais da saúde estarem sempre cientes dos limites da tecnologia, no caso da telemedicina, da necessidade de observância da segurança do paciente e da informação e dos aspectos éticos a serem respeitados. O atendimento via telemedicina deve, sim, seguir os mesmos preceitos éticos do atendimento presencial, em todos os aspectos e com maior cuidado possível. A relação médico-paciente deve ser sempre priorizada e é perfeitamente possível que ela ocorra à distância. A estrutura de tecnologia e de dados precisa ser pensada para garantir melhores cuidados e fornecer uma melhor experiência aos médicos e profissionais da área. Também merece atenção a segurança da informação. Mais do que uma questão moral e ética, isso está relacionado a implicações legais. Daí a necessidade de construir suas atividades de saúde digital alicerçadas pelas melhores práticas de segurança da informação vigentes no mercado.
Este modelo de atendimento remoto tende a se fortalecer mais no âmbito privado?
Estamos falando de uma grande porta de acesso à saúde. Muita gente imagina que a telemedicina é algo exclusivo do sistema privado, mas é um engano. Atualmente, ela é praticada amplamente no sistema público, com iniciativas diretas das prefeituras, estados, Ministério da Saúde e também em parcerias público-privadas. Evidentemente, existem diferentes práticas e tecnologias empregadas. No entanto, vale ressaltar que, hoje, a telemedicina depende mais de ajustes de processos de atendimento do que de alta tecnologia, uma vez que os requisitos tecnológicos estão cada vez mais universalmente presentes, mesmo em áreas remotas do país. Médicos e profissionais de outras áreas da saúde, como psicologia, enfermagem, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, dentre outras, conseguem fazer um atendimento com segurança usando os recursos atuais.