3 metodologias para a gestão hospitalar monitorar riscos
Saiba como funcionam as ferramentas reativas e preventivas que garantem uma boa gestão de riscos assistenciais e administrativos na Saúde
A gestão de risco é uma área de estudos relativamente nova, que se estabeleceu como uma resposta direta a acidentes e desastres que começaram a acontecer repetidamente a partir da década de 1980, como o vazamento de gases tóxicos na cidade de Bophal (Índia) e o acidente nuclear de Chernobyl (Ucrânia). Mas, embora o conceito não tenha nascido no setor de Saúde, coube a ele se apropriar de metodologias de segurança e processos amadurecidos na indústria e na aviação, adaptando-os para a realidade da gestão hospitalar.
“Hoje existem dois grandes polos para a gestão hospitalar trabalhar a gestão de riscos assistenciais. O primeiro atua com ferramentas reativas, como a análise de causa raiz, que partem do evento e esmiúçam retrospectivamente tudo o que aconteceu para entender e tentar propor barreiras de segurança para o futuro. O segundo inclui métodos mais preventivos, que tentam trabalhar com o evento futuro”, detalha Lucas Zambon, diretor científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP) e membro do conselho científico da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (SOBRASP).
Zambon deixa claro que o foco maior para a gestão hospitalar deve ser a adoção de metodologias preventivas, pois um evento adverso pode, por vezes, ser fatal. Tomaremos como exemplo a queda de um paciente internado. São muitos os fatores que podem facilitar a ocorrência do evento — um chão molhado, a grade de segurança da cama abaixada, a luz insuficiente para enxergar, etc. — e normalmente mais de um deles contribuem para o acidente acontecer.
“A análise reativa vai focar em entender o porquê desse paciente específico ter caído. E sua maior vantagem é a quantidade de informação que pode ser mapeada a partir disso. Já uma metodologia preventiva vai tentar mapear esse processo e propor barreiras para um incidente antes que ele aconteça”, diferencia Zambon.
A teoria do queijo suíço, que faz uma analogia entre os buracos do queijo e os erros em processos que acontecem todas as vezes que as tais “falhas” se alinham, é bastante lembrada para retratar eventos relacionados à segurança do paciente, mas com a ajuda de metodologias bem estruturadas, é possível evitar até mesmo que coincidências afetem a gestão da qualidade assistencial e administrativa do hospital.
Conheça agora as principais ferramentas aplicadas no setor de saúde com foco no monitoramento de riscos assistenciais:
1. FMEA
A Análise de Modo e Efeito de Falha (em inglês “Failure Mode and Effect Analysis”, ou FMEA) nasce nos anos 1960, no segmento militar dos Estados Unidos, com foco no mapeamento de processos, serviços e até de produtos. Mas a metodologia também funciona quando aplicada na prevenção de riscos em projetos, como a ampliação de uma área do hospital ou a implantação de um protocolo de atendimento.
“O FMEA trabalha com um índice formado a partir de três fatores: a probabilidade de um determinado modo de falha acontecer, sua frequência e a gravidade da ocorrência”, resume Zambon.
Assim, quanto maior o risco apresentado, maior o índice FMEA, em um número que vai até 1.000.
“Na saúde adotamos o HFMEA, healthcare FMEA, que foi desenvolvido nos anos 2000 por veteranos de guerra nos Estados Unidos. O método conta com os mesmos pilares de avaliação de risco, mas tem um fluxograma mais rápido e simplificado para o dia a dia da gestão hospitalar”, destaca o especialista.
2. Análise em Gravata Borboleta (Bow-Tie Analysis)
Foi criada nos anos 1980 e recebe esse nome porque a análise forma a imagem de uma gravata borboleta: no centro (nó da gravata) está o evento estudado, do lado esquerdo ficam todos os fatores de risco que vão levar a esse evento e, finalmente, do lado direito, todas as suas consequências.
“Para cada fator de risco possível anotado do lado esquerdo da gravata, é preciso mapear se existe uma barreira e se ela está implementada. Em caso negativo, a gestão hospitalar já sabe que ali está um ponto a ser trabalhado”, explica Zambon.
O mesmo acontece para as consequências e suas barreiras de mitigação, para minimizar o grau de dano que o evento gera.
“A vantagem é que o aspecto lúdico e intuitivo da metodologia facilita seu entendimento pelas equipes”, constata o especialista.
3. What if
É a mais simples das ferramentas, com a vantagem de ser ainda mais intuitiva para quem participa do processo. “O “what if” é um brainstorming estruturado e direcionado a partir da pergunta-chave ‘e se?’. No caso da queda de pacientes, novamente usando o exemplo, pense que perguntas como ‘E se a equipe de limpeza deixar o chão molhado? E se não tiver luz no quarto?’ e, a partir das respostas, a gestão hospitalar consegue mapear os riscos”, relata Zambon.
Tecnologia e cultura
Dependendo da maturidade da instituição, todas essas metodologias podem ser integradas ao sistema de gestão hospitalar para a tecnologia ser um facilitador na hora de monitorar e sinalizar os riscos por meio de alertas e gatilhos de comunicação — que podem, inclusive, ser configurados para ocorrer em tempo real. Nesse sentido, a tecnologia traz a vantagem de identificar problemas em futuros eventos tanto assistenciais quanto administrativos, corrigindo rotas que podem levar a eles antes que aconteçam.
Mas, além da tecnologia, Zambon deixa claro que, para todas as metodologias, é fundamental ter pessoas capacitadas nas ferramentas conduzindo e mentorando o processo de análise. O responsável por executar a operação que está sob análise é quem deve fazer o mapeamento do processo:
“São essas pessoas que têm os melhores insights e dão veracidade ao mapeamento.”
Tal atitude, além de garantir mais qualidade de informação, conecta os profissionais da saúde com o evento em si, o que é fundamental para uma mudança na cultura organizacional da instituição.
“Adotar o conceito de gestão de risco no dia a dia não é algo simples, porque engloba uma mudança cultural importante, já que encarar o erro como uma oportunidade de melhorar é algo não natural da nossa sociedade em geral”, reforça Zambon.
Outra dica importante do especialista é que essas metodologias devem ser usadas em conjunto, pois são complementares:
“Enquanto o “what if” ajuda a identificar detalhes de grandes eventos, o HFMEA traz compreensão sobre os detalhes dos processos e o Bow-tie é mais rico para análises de um incidente em particular. Mas nenhuma delas, sozinha, resolve a gestão de risco”, diz.