Grandes redes de saúde vão às compras: o impacto das fusões e aquisições na maturidade digital

Com uma maior competitividade entre hospitais e grupos verticalizados, as organizações de menor porte devem redobrar a atenção pela sustentabilidade de suas operações

Grandes redes de Saúde vão às compras: o impacto das fusões e aquisições na maturidade digital

Grandes redes de assistência à saúde seguem seus planos de expansão via aquisições, chacoalhando o setor de Saúde e impactando tanto a maturidade digital quanto a gerencial dos novos conglomerados. O movimento se acentuou em 2018, com a abertura de capital de alguns grupos assistenciais, e já em 2019 foram 80 transações realizadas. No ano seguinte, em 2020, mesmo com a pandemia, houve 60 novas fusões e aquisições e, em 2021, 32 delas, todas movimentando bilhões de dólares.

Nesse cenário, Rede D'or, Dasa e Mater Dei são algumas das marcas que foram às campras — e por lá ficaram, em negociações com a característica de ter tanto hospitais e laboratórios comprando concorrentes, quanto de aquisições e consolidações em organizações verticalizadas, com grupos aproveitando outros elos da cadeia de saúde para montar sua rede própria de cuidado na operação.

 

Rumo ao interior

Para Sérgio Cafalli, especialista em saúde e investidor anjo, com passagens pela diretoria executiva da Dasa Empresas e da Amil One, apesar dessa grande repercussão das grandes fusões em Saúde ainda há muito espaço para consolidação:

“O mercado de saúde é composto por milhares de serviços médicos fragmentados e espalhados pelo País. As operadoras de Saúde estão mais avançadas nesse caminho, mas, ainda assim, há muito o que crescer. Basta pensarmos que as duas maiores - Grupo NotreDame Intermédica (GNDI) e Hapvida -, juntas, detêm apenas 18% dos beneficiários, segundo a ANS. Isso significa que os demais estão espalhados por mais de 700 outras operadoras existentes.”

Outro exemplo dessa perspectiva de tamanho de mercado está na rede hospitalar. A Rede D'or, reconhecida por realizar grandes aquisições nos últimos anos, conta hoje com 68 hospitais e 11 mil leitos — e, segundo a Federação Brasileira de Hospitais (FBH), existem hoje 4.000 instituições no país e mais de 250 mil leitos. Já em relação aos laboratórios, a Dasa detém agora pouco mais de 40 marcas de laboratórios em um universo de 12.600 laboratórios de análises clínicas e 6 mil unidades de diagnóstico por imagem, segundo o Painel Abramed 2021.

“A grande lição que tiro desse movimento do setor de Saúde é que há uma boa oportunidade de novos negócios também para os grupos menores. Isso porque esses grandes conglomerados vão precisar cada vez mais de soluções que podem ser criadas ou aproveitadas de forma terceirizada. É o caso das áreas de nutrição, hotelaria, mas também da TI, que descentraliza a operação do macrogestor”. Fernando Teles de Arruda, médico cardiologista.

Fernando Teles de Arruda, médico cardiologista, especialista em Gestão e Administração em Saúde e coordenador adjunto da comissão de residência médica da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) concorda com essa perspectiva e acredita que as novas aquisições devem seguir agora rumo ao interior, enquanto o capital aberto vindo do mercado conseguir gerar novos negócios:

“O setor de Saúde demorou para ter essa iniciativa em relação a outras áreas de negócios, mas agora está bastante aquecido e pensando na profissionalização dos processos e na maturidade digital, com a possibilidade de uma operação mais enxuta, do ponto de vista administrativo, o que gera melhores resultados financeiros e assistenciais e a busca pela excelência."

 

E como ficam os pequenos e médios hospitais?

Hospitais de pequeno porte, com menos de 100 leitos, serão, provavelmente, as mais impactadas por esse movimento, já que as grandes redes procuram adquirir redes de apoio, como hospitais de baixa complexidade e longa permanência, em diferentes regiões do país.

“Eu acredito que há uma grande tendência de os hospitais pequenos e de médios porte com dificuldade operacional passarem a ser adquiridos por esses grupos para serem redefinidos em suas funções dentro dessa nova proposta dos grandes players de mercado”, diz Arruda, lembrando que a lógica de criar hospitais de retaguarda e hospitais-dia, aliás, é herdada do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Os grandes conglomerados de Saúde já processam um volume enorme de dados de seus clientes diariamente e, por isso, muitos adquiriram a habilidade de plugar seus sistemas próprios nas novas unidades adquiridas. Nesse sentido, o maior gargalo para a interoperabilidade dos sistemas não está na tecnologia em si, mas na construção de uma proposta de valor viável ao cliente, envolvendo os vários serviços médicos e que acomode os interesses financeiros de todos os players”, Sérgio Cafalli, especialista em saúde e investidor anjo.

Replicar as melhores práticas com foco no resultado para o cliente/paciente, e não apenas no serviço médico, tem sido uma boa estratégia adotada por grandes redes.

“A história vem demonstrando que a cobrança por serviços não é a melhor maneira de entregar valor na Saúde para a sociedade, especialmente porque a chamada gestão por evento está contribuindo para uma redução no número de beneficiários dos planos - em 2016 eram 25% da população brasileira e, agora, são 23%”, enfatiza Cafalli.

Com isso, abre-se um espaço para se falar em desfecho clínico e para tratar da jornada do paciente, duas áreas em que a tecnologia tem muito a contribuir.

 

Uma operação integrada

A busca pela maturidade digital e operacional da gestão em saúde passa, necessariamente, pelo levantamento de indicadores em tempo real para a aferição adequada de resultados, como lembra Arruda:

“E isso só é possível com a adoção de sistemas integrados de gestão. Por isso, a tendência é que com as grandes fusões as organizações também caminhem logo para a implantação de sistemas mais unificados para que possam realizar a leitura das operações de forma integral e com uso cada vez maior de inteligência artificial para realizar uma análise dos resultados de indicadores obtidos.”

Ainda assim, mesmo com todo o ganho operacional que as fusões trouxeram às grandes redes, diferentemente do que acontece a outros setores, como o financeiro, na saúde o encontro presencial não pode deixar de existir, reforça Cafalli:

“Considere, por exemplo, as teleconsultas e o ganho que elas trouxeram ao sistema, especialmente na pandemia. Agora, reflita: se esse atendimento se desdobrar para um pedido de exame, já será preciso acontecer um evento físico complementar ao atendimento digital. E isso se repete em todas as outras interações da área da saúde, da consulta à internação. É por isso que cada vez mais falamos em experiências phygital, ou seja, que integram e consolidam as observações e vivências digitais e físicas.”

Nesse sentido, a gestão verticalizada ganha mais velocidade em interoperabilidade no atendimento ao cliente.

Andrey Abreu, CTO da MV, reforça que a tecnologia já está mudando com as consolidações das grandes redes de saúde, que passam a ter uma gestão mais profissional também da TI:

“A gestão hospitalar também deve amadurecer por meio de uma governança digital mais apurada e o entendimento de que a área operacional e de tecnologia também são fontes importantes de investimento.”

Afinal, um sistema de saúde mais eficiente como um todo possibilita que mais e mais pessoas possam fazer parte dele e receber o atendimento adequado, sempre que precisarem.

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